QUARTEL DE LINHA - 04/10/1790

 

QUARTEL DE LINHA

Em 14 de janeiro de 1775, Portugal criou a Legião de Voluntários Reais da Capitania de São Paulo, também chamada Legião de Tropas Ligeiras da Capitania de São Paulo ou mais simplesmente Legião de São Paulo, tendo como missão a defesa do Brasil na Bacia do Prata. Comandada por oficial general, teve o Estado-Maior, grande efetivo das Armas e Serviços da época, destacada participação em várias campanhas e foi a única Grande Unidade do Exército Brasileiro, equivalente às atuais Divisões de Exército, existentes no período colonial.

Entre os grandes soldados que serviram em suas fileiras, deve sempre ser lembrado o gaúcho Manoel Luís Osório, Marechal Marquês do Herval, Senador do Império, Patrono da Arma de Cavalaria etc. Osório, uma das figuras mais brilhantes e simpáticas da nossa História, começou sua carreira assentando praça, com quinze anos de idade, como soldado raso voluntário, na Cavalaria da Legião.

Com seu Alto Comando instalado em tempo de paz na cidade de São Paulo, a Legião teve grandes dificuldades para ser organizada. Não existia quartel na cidade; os infantes de Santos ficavam alojados no Corpo da Guarda do Palácio do Governo (prédio do antigo colégio dos jesuítas), em casas alugadas ou aboletadas em residências particulares.

Oficiais do Real Corpo de Engenheiros do Exército de Portugal começaram a construir instalações, inclusive em três terrenos vizinhos no centro urbano. No maior e mais central foi construído o Quartel General, ocupando todo o perímetro de uma quadra (no seu terreno existe hoje o majestoso Palácio da Justiça).

Ao ser solenemente inaugurado em 4 de outubro de 1790, era delimitado a oeste pela Rua do Quartel (começava no quartel, seguia para o norte onde seu trecho final tinha o nome de Beco dos Minas, por ser habitado por negros minas; chamou-se depois Onze de Agosto, tendo desaparecido em sua maior extensão); ao sul por um trecho da Rua da Tabatinguera (este trecho chamou-se depois Beco do Quartel e Rua do Teatro, desapareceu com o alargamento da Praça João Mendes); a leste pela Rua Curva, depois Rua Detrás do Quartel, Rua do Trem e Anita Garibaldi; e ao norte pela Travessa do Quartel, depois Rua Felipe de Oliveira desaparecida com o aumento da Praça da Sé.
Como foi dito acima, haviam dois outros terrenos vizinhos ao Quartel General da Legião. Um ficava no citado trecho da Rua da Tabatinguera, em frente ao flanco sul do quartel e ladeado por imóveis de particulares e do Convento de São Bento. O terceiro terreno ficava na Rua Curva e junto a um chafariz público instalado em 1774. Este terreno é hoje parte da área onde existe o Quartel Central do Corpo de Bombeiros.

Era de forma irregular, medindo vinte e quatro braças de frente para a Rua Curva e trinta e uma de fundo na maior extensão; cercado por muros de taipa cobertos de capim em vez de telhas; confrontante com propriedades particulares e com outras, fazendo frente para a Rua das Flores, atual Silveira Martins, do Convento do Carmo. No terreno havia, inclusive, a Casa de Recreio com dois pavimentos e que deve ter sido o primeiro clube social de militares na cidade, antecessor histórico do atual Círculo Militar de São Paulo.


O chafariz da Rua Curva com o passar do tempo passou a ser oficialmente chamado Chafariz do Quartel e Chafariz do Trem. Como se sabe, nas fontes e chafarizes públicos de outrora, frequentados por grande número de pessoas de condições modestas, na maioria mulheres, ocorriam frequentes desordens e rixas.

Por motivos óbvios, o Chafariz do Trem, primeiro serviço de utilidade pública no local, deve ter sido um dos mais tranquilos da velha São Paulo. Seu histórico consta do livro realmente excelente "Fontes e Chafarizes de São Paulo", do Dr. Byron Gaspar, sócio do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, publicado oficialmente pela Secretaria de Cultura do Estado em 1970.

A vinda de Dom João e sua Corte em 1808, tornando o Rio de Janeiro capital do imenso Império Português, resultou em grande progresso para o Brasil inclusive no campo militar. Em 1810 foi instalada a Casa do Trem de São Paulo nas dependências da Legião na Rua Detrás do Quartel que passou a ser Rua do Trem. O Beco do Trem, que aparece em vários documentos da época, deve ter sido certamente seu trecho mais estreito.

Convém lembrar que a Casa do Trem foi, desde o início da colonização, a denominação oficial dos modernos arsenais de guerra, depósitos e parques de material bélico e estabelecimentos militares similares. A denominação foi caindo em desuso após a Independência e em meados do século XIX as antigas Casas do Trem passaram a ser, na maioria, Depósitos ou Armazéns de Artigos Bélicos do Ministério da Guerra.

Em 1824 os Corpos de Tropa do Exército perderam suas denominações regionais e locais, algumas antiquíssimas, e receberam numeração corrida dentro das respectivas armas e que continua em vigor até hoje. A Legião foi dissolvida e seus regimentos e batalhões passaram a ser unidades administrativas autônomas.

A abdicação de Dom Pedro I tornou a oligarquia agrária dona absoluta do poder e o Exército foi rapidamente reduzido a efetivos mínimos em todo o País, com a exceção óbvia das guarnições do Rio Grande do Sul. Foram extintas as seculares Ordenanças e Milícias, e em substituição criadas a Guarda Nacional, subordinada ao Ministério da Justiça e as Guardas Municipais Permanentes, origem das atuais Polícias Militares Estaduais.

Durante o Segundo Reinado a Guarnição do Exército na Província foi constituída por uma ou duas Companhias de Infantaria e uma de Cavalaria, ocupando os três quartéis no centro da capital e com destacamentos nas fortificações de Santos. Durante longos períodos as Companhias integraram uma única unidade denominada Corpo Fixo ou Corpo de Guarnição. O Encarregado do Depósito de Artigos Bélicos, mais conhecido como Quartel do Trem, era normalmente um tenente ou alferes (atual 20 tenente) reformado do Exército, auxiliado por um Fiel e outros sargentos amanuenses.

Também chamado Trem Bélico, Trem Militar e Trem Nacional em documentos oficiais, o estabelecimento guardava e consertava objetos do Governo Imperial, do Governo Provincial e da Câmara Municipal. Suas oficinas foram as melhores da cidade até o início, por volta de 1860, da construção da ferrovia inglesa ligando Santos a Jundiaí.

A Guarda Municipal Permanente, depois Força Pública e atual Polícia Militar, foi criada em 15 de dezembro de 1831 pelo Governo da Província. Seu primeiro aquartelamento, até 1906, foi o pavimento térreo do Convento do Carmo, perto do Quartel do Trem.

Uma lei de 10 de março de 1880 criou a Seção de Bombeiros da Capital, com um alferes e vinte praças, todos vindos do Rio de Janeiro. Contudo, seu primeiro quartel, dependências da Estação Central da Companhia de Urbanos na Rua do Quartel, era pequeno, não permitindo a guarda do material e o treinamento do pessoal. Autorizados pelo Ministério da Guerra, os bombeiros foram transferidos em 1886 para o Depósito de Artigos Bélicos, que passou a ser conhecido como Quartel dos Bombeiros e onde permanecem.
Entre os primeiros comandantes do Corpo figuram oficiais do Exército de muito boa qualificação profissional. Entre eles o pardo Benedicto Graccho Pinto da Gama, Oficial de Artilharia e Engenheiro Civil e Militar, foi um paulista ilustre hoje inteiramente esquecido. Comandou o Corpo como capitão (comissionado como major da Força Pública) e após deixar o comando exerceu, ainda como capitão, outra função importante, a de Diretor da Fábrica de Ferro do Ipanema, normalmente exercida por coronéis.

Era, aliás, filho do célebre tribuno e abolicionista negro Luís Gonzaga Pinto da Gama, que iniciou sua formação como soldado do Exército e cabo da Força Pública.

Em 1891 o Corpo Policial Permanente, o Corpo de Bombeiros e a Guarda Urbana da Capital foram unificados constituindo a Força Pública, atual Polícia Militar do Estado.

Com o passar do tempo, diversos Corpos de Bombeiros Municipais, alguns muito bons como o de Santos, passaram a integrar a Força Pública.

A consolidação do regime republicano custou grandes sacrifícios ao povo brasileiro. São Paulo, povo e governo, prestou todo apoio possível a Floriano Peixoto, o Marechal de Ferro, para debelar a Revolta da Armada e a Revolução Federalista nos Estados sulinos. São Paulo e Santos tornaram-se importantes Praças de Guerra preparando vários contingentes do Exército, da Guarda Nacional, da Força Pública, Batalhões Patrióticos etc.

O Quartel de Linha e o dos Bombeiros tiveram importante desempenho na mobilização de forças paulistas.

Em 19 de março de 1895 os próprios nacionais constituídos pelos terrenos e benfeitorias do Quartel de Linha e do Quartel dos Bombeiros foram vendidos ao Governo do Estado conforme escritura lavrada às folhas 27 verso e seguintes do livro 518 do Tabelião Evaristo Valle de Barros, Rua do Rosário no 63, Rio de Janeiro. Foi praticamente uma doação porque os imóveis valiam muito mais que os quinhentos contos de réis pagos pela Fazenda Estadual.

A enorme Invernada do Barro Branco, utilizada pela guarnição do Exército e pelo Corpo de Bombeiros, foi vendida ao Governo de São Paulo em escritura firmada em 16 de abril de 1901, no citado Tabelião Evaristo e pela quantia simbólica de vinte contos de réis.

Desprezando tradições seculares, uma Lei Municipal de 3 de julho de 1907 mudou o nome da Rua do Trem para Rua Anita Garibaldi, homenageando a notável catarinense Ana de Jesus Ribeiro. Outra Lei de 7 de agosto do mesmo ano denominou Onze de Agosto a velha Rua do Quartel.

A Força Pública recebeu Missão Militar Francesa antes do Exército, atingiu seu apogeu como força militar na década de 20, dispôs de Aviação de Combate e o então Batalhão de Bombeiros Sapadores teve sua Companhia de Artilharia. Na Capital, o Batalhão realizou demolição de edifícios, retificação de trechos do Tietê, nivelamento de vias públicas, etc. No Interior, a construção da primeira estrada carroçável ligando São Sebastião ao Vale do Paraíba.

Após sua incorporação ao patrimônio estadual, o terreno do quartel foi aumentado com a desapropriação de imóveis contíguos. No começo do século, o grande engenheiro e arquiteto paulista Dr. Francisco de Paula Ramos de Azevedo projetou um enorme e majestoso edifício que não chegou a ser construído.


Pesquisador: Sgt Eduardo Marques de Magalhães 

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