SÃO PAULO ANTES DOS BOMBEIROS
SÃO PAULO ANTES DOS BOMBEIROS
Fundada pelos jesuítas em 1554, a cidade de São Paulo de Piratininga, somente três séculos depois teve as primeiras posturas municipais, prevendo os sinistros causados por incêndios e só em nossos dias conseguiu a definitiva organização de um serviço regular e metódico nesse sentido.
A população da cidade até 1840 era insignificante. Existiam nesse ano, conforme estatística municipal, 1843 prédios, localizados em 32 ruas, 2 largos, 10 travessas e 4 ladeiras. Poucos edifícios de certa importância nessa época, algumas casas de sobrado habitadas pelos principais da cidade, a cadeia, a casa da câmara, o teatro, as igrejas e os conventos.
A população pobre, que constituía naturalmente forte maioria, habitava casebres de construção ligeira que se alastravam pela lombada da serra, não sendo raro encontrar-se nos extremos da cidade ranchos de palha habitados pelos caboclos dos arredores.
A população abastecia-se de água no rio Tamanduateí, no córrego Anhangabaú, que limitava a cidade a leste e oeste, ou em poços abertos nos quintais das casas.
Cidade do futuro, tendo vida latente, desenvolveu-se muito rapidamente no decênio de 1840 a 1850. Melhoram-se as construções, o comércio aumentou extraordinariamente, cresceu a população condenando-se dentro do triângulo, um sempre benfazejo de progresso, levantava do marasmo secular em que jazia a velha São Paulo.
Com o incremento da população, do comércio, da vida enfim da cidade, deviam aparecer naturalmente flagelos, e dentre eles os incêndios não foram menos temíveis.
Até então, como não existiam senão casebres de pau barreado e rancho cobertos de palha, não se ligava grande importância a um incêndio. Logo que se manifestava um desses casos, aliás raros, os vizinhos acudiam prontamente, retiravam os trastes mais necessários ou que tivessem mais valor, isolavam a golpes de machado a casa incendiada das que lhe ficavam contínuas e deixavam-na arder até o último barrote.
Isso consistia para a garotada um divertimento sempre novo e sempre desejado. Si deixavam que ardesse a casa sem se comoverem, os homens de então, é porque inútil seria tentar deter a impetuosidade das labaredas, que encontrando na madeira seca, que constituía o esqueleto do prédio, elemento para se propagar, reduzia-o em pouco tempo a um montão de cinzas. Havia outros motivos para assim procederem, a dificuldade de transportar a água, além do pouco valor que em geral representava a habitação atacada pelo fogo. Quando, porém, as construções foram se tornando mais custosas, necessário foi tomarem os governantes, medidas acauteladoras dos bens e da vida dos habitantes, que não podiam ficar à mercê dessas contingências.
Então quando se declarava um incêndio, a população inteira se abalava alarmada pelo desapoderado badalar dos sinos de todas as igrejas e conventos, pelo rufar de caixas de guerra e soar das cornetas em todos os quartéis e guardas e todo barreiro da molecada em alvoroço. Era fácil ao povo que em borbotão aí fluía, orientar-se. De dia, a fumaça e a noite o clarão do incêndio assinalava o ponto de convergência. A autoridade ao primeiro sinal de alarme, acompanhada de tropa, estabelecia o serviço de ordem e requisitava o auxílio do povo para extinguir o fogo.
Este nem sempre se prestava sem relutância, porque preferia o papel passivo e cômodo de simples espectador. Não era fácil a autoridade a organização do serviço, ela não tinha ação para forçar o povo ao cumprimento deste dever de solidariedade social e quiçá de humanidade. Basbaques postavam-se nas proximidades do sinistro e impediam o serviço de extinção, aqueles que menos egoístas e indolentes, prestavam seu concurso à autoridade. Resultava disso que, uns no afã de serem úteis, estabeleciam com os vadios enorme balbúrdia e confusão, que se tornava prejudicial à ordem e ao serviço.
A tropa, sempre do fraquíssimo efetivo, mal chegava para manter à distância os que se constituíam elementos perturbadores, não podendo por isso, ser de real utilidade nessa emergência. O primeiro cuidado da autoridade era estabelecer o cordão que consistia em uma linha de homens, mulheres e mesmo crianças, da proximidade do incêndio, ao poço ou tanque mais próximo.
Uma vez obtido o cordão começava a ser atacado vigorosamente o fogo até sua completa extinção. A pessoa que ficava junto ao poço retirava o balde cheio, que ia passando de mão em mão, até a água ser lançada nas labaredas. O balde voltando vazio encontrava com outro cheio que vinha de novo lançar seu conteúdo ao incêndio. Quando era possível, estabeleciam-se dois e às vezes mais cordões e muitas pessoas que não faziam parte de nenhum deles, vinham individualmente com bacias, potes e barris cheios, auxiliar a extinção.
Em 1850, se deu um dos mais antigos relatos de incêndio em São Paulo, ocorrido em uma residência da então Rua do Rosário, atualmente conhecida como Rua 15 de Novembro. Pela meia noite do dia 10 de dezembro de 1850, manifestou-se um incêndio na loja de um sobrado da rua estreita do Rosário, onde existia uma fábrica de charutos, e os rebates dos sinos puseram logo em completo alvoroço o bairro de Santo Antônio. Socorrida prontamente pela vizinhança, polícia, homens, mulheres e crianças correram em socorro, munidos de bacias, baldes e uma bomba d'água emprestada pelo francês Marcelino Gerard.
Era a primeira vez que uma ocorrência desse gênero apresentava um risco real, merecendo do presidente da Província, José Thomaz Nabuco de Araújo Filho, que assumiu o cargo em 1851, o seguinte relato: Era bem triste e repugnante a situação da autoridade pública nestas circunstâncias, destituída dos meios materiais os mais simples, para poder socorrer aos cidadãos e as famílias, evitar o dano da propriedade, e o perigo da cidade: era tanto mais triste e repugnante essa situação, quanto não tinha ela ação coercitiva para vencer e dominar o egoísmo e a inércia.
O impacto do incêndio da Rua do Rosário poderia ter provocado alguma estruturação visando ao combate de incêndios, mas pouco aconteceu de concreto além da recuperação de uma velha bomba d'água manual do depósito do exército e da aquisição da bomba d'água do francês Gerard, considerada o primeiro apetrecho a ser usado para tal fim em São Paulo.
Este incêndio serviu para que a câmara municipal aprovasse as primeiras normas relativas ao combate de incêndio, no ano de 1851. Não eram lá grande coisa, mas permitiam uma maior organização em novas ocorrências. Foram adquiridas duas bombas que uma vez compradas acabaram esquecidas por um longo período, a poeira acumulada nas bombas só seria retirada em 1862, quando as chamas tomaram a livraria José Fernandes de Souza, na rua do Carmo. No ano seguinte foi a vez da explosão de uma barrica de pólvora em uma loja de ferragens na Rua do Comércio e outra em 1870 na mesma área, a despeito dos esforços da polícia e dos legisladores em primeiro regular e depois coibir o estoque da substância.
Ainda em função do acontecido, em 1852 foi aprovado o primeiro código de prevenção de incêndio, obrigando a população a cooperar com a polícia nesse tipo de emergência. Entre outras exigências, havia a de que sineiros e sacristãos repicassem os sinos, dando assim o competente aviso de incêndio. Caso assim não procedessem, seriam presos e multados em certa quantia.
Novas ocorrências em 1873, na Rua Direita e na Ladeira Porto Geral, a segunda com duas vítimas fatais, provocaram a primeira tentativa de criação do Serviço de Bombeiros, em 1874. Ele nasceria vinculado à Companhia de Urbanos, algo equivalente à Guarda Civil. Seriam instaladas três freguesias, das quais a central teria 10 bombeiros. Apesar de ter realmente sido formada, com 10 homens egressos do Corpo Provisório de Bombeiros da Cortes (criado em 2 de julho de 1856), a Turma de Bombeiros foi desmantelada logo que o cargo de chefe de polícia mudou de mãos. Os 10 bombeiros foram remanejados para o serviço de policiamento.
Mas a cidade tinha pressa e não perdoaria esse descaso. Em 1878, já contabilizava 7.987 edificações, em 66 ruas, quatro largos, 11 travessas, cinco ladeiras e um beco, adensamento que aumentava consideravelmente o risco de novos sinistros. Um ano antes, o abastecimento de água começou a ser realizado de forma sistemática, com a criação da Companhia Cantareira de Água e Esgotos. As características das edificações também sofreram alterações. Os tijolos, malquistos pelos paulistanos conservadores e empregados por pedreiros alemães, se tornaram comuns, sobretudo com a inauguração da ferrovia em 1867, sendo a construção do Teatro de São José, iniciada em 1858, e o Hotel Palm, no Largo do Capim, registrado em foto de Militão A. Azevedo em 1860, os primeiros prédios de alvenaria na capital.
Em uma cidade relativamente pequena e tranquila as ocorrências de incêndio eram proporcionalmente raras. Novas ocorrências surgiram em 1870 e 1877, até que esta última ocorrência levou à criação em 1878 de novas normas de alerta e combate em uma técnica nova e eficaz.
Comentários
Postar um comentário