BOMBEIRO N° 64 - CONSTANTINO CORREA

 
O AFOGAMENTO DO BOMBEIRO Nº64 
CONSTANTINO CORRÊA 

O ESTOPIM PARA A ASSUNÇÃO DO SERVIÇO DE SALVAMENTO MARÍTIMO PELO CORPO DE BOMBEIROS MUNICIPAL DE SANTOS

A 91 anos - Era uma segunda-feira de tempo chuvoso em Santos em 14 de julho de 1930, entretanto, no quartel do Corpo de Bombeiros Municipal, conhecido como “castelinho, atualmente sede da Câmara Municipal, as rotinas estavam normalmente sendo desenvolvidas pelas equipes de serviço. A única novidade, até então, foi o cancelamento, em virtude do mau tempo, do concerto da banda de música 
regimental dos bombeiros que se apresentaria na Praça Mauá. O mau tempo seria o prenúncio de uma tragédia que abalaria a cidade.

Às 11h45 o telefone do quartel toca, era uma chamada urgente do Sr. Joaquim Silveira, 
funcionário do Hotel Internacional, que ficava na faixa de areia da praia do José Menino, em Santos, bem em frente a Ilha Urubuqueçaba. No telefone, Joaquim parecia nervoso, dizia que havia dois homens pedindo socorro na ilha. Um deles era hospede do hotel, Américo De Chiara, que estava com seu amigo 
santista, Jorge Hoffmann, que após aproveitarem a maré baixa para irem andando até a ilha, não conseguiram mais regressar, pois não perceberam que a maré agora subia. Ao perceberem isso e tentaremregressar à praia não perceberam que o mar subira rapidamente e já estava ocupando todo o caminho em que vieram e, além disso, agora estava bem agitado, com muitas ondas e fortes correntes. Apesar do medo, tentaram nadar à praia, mas sem sucesso. Eram arremessados das ondas para as rochas da costeira da ilha, que lhes custaram vários ferimentos em todo o corpo. A única alternativa agora era permanecer na ilha e gritar por ajuda. 

O bombeiro atendente do quartel, após ouvir a história, prontamente aciona o alarme de 
ocorrência para a viatura, algo rotineiro para os bombeiros, porém a ocorrência não era normal; não fazia parte das ocorrências atendidas do dia a dia. Agora era um salvamento marítimo com duas vítimas, algo 
totalmente novo para aqueles bombeiros. 
Rapidamente, uma guarnição composta de cinco bombeiros (Anspeçada Manoel Antônio Leite, bombeiros Alberto Alves Albano, Luiz de Braga Lima, Constantino Corrêa, todos sob o comando do Sargento-Ajudante José Protásio Neves), desloca-se o mais rápido que podem com o Auto Caminhão Ford os cerca de 6km de distância do quartel até a praia, para o salvamento. 

Ao chegarem, logo avistaram o mar muito agitado, as ondas invadiam toda a orla e as ruas de Santos, mas mesmo assim, ainda se conseguia ouvir os gritos de socorro que vinha da ilha, gritos que além de levar multidões para o local para ver o que estava acontecendo, impulsionaram três valorosos 
bombeiros a enfrentarem o mar e seus perigos ainda desconhecidos. Essa seria a última vez que alguém viu o jovem bombeiro nº 64, Constantino Corrêa com vida!

Na praia do José Menino muitas pessoas se aglomeram angustiadas, e depois de um tempo, observam um dos três bombeiros retornando do mar exausto e praticamente inconsciente. Era o Sargento Protásio. Ele não conseguiu atravessar as altas ondas e é socorrido rapidamente ao hospital Santa Casa de Santos, onde após um dia de internação é liberado sem nenhum problema de saúde ou ferimento.

Da praia, algumas pessoas conseguem ver que um bombeiro, com muito custo, consegue alcançar a ilha. Era o bombeiro Alberto Alves Albano, porém mesmo tendo sucesso, não consegue regressar com as duas vítimas à praia. Ele precisava de apoio! Até então não se tem notícia do bombeiro Constantino! 

Neste interim, para o local mais equipes de bombeiros são enviadas sob o comando do 2º Tenente Manoel dos Santos para tentarem apoiar o bombeiro e salvar as vítimas da ilha. Permaneceram neste esforço até às 23h45 daquele dia, mas sem sucesso. 
No dia seguinte, bem cedo, às 5h30, regressaram para a ocorrência, que agora mobilizava toda a cidade. Até o Prefeito de Santos comparece no local juntamente com o Comandante dos Bombeiros Municipal (hoje 6º Grupamento de Bombeiros), Major Alípio Ferraz. 

Da praia, as pessoas observam uma embarcação se aproximando. Era a Polícia Marítima com uma equipe de cinco integrantes tentando alcançar a ilha. 
Era quase 24h após o início da ocorrência, por volta das 09h30, que uma embarcação 
comparece para o salvamento. A equipe 
era composta pelo Cabo Raul Costa 
Carvalho, o Agente Antônio de Oliveira e os Marinheiros Carolino Cajueiro e Pedro 
Cypriano, comandados pelo Major Victor 
Vieira Barbosa.

Após algumas tentativas a embarcação consegue se aproximar. O Cabo Raul atira-se ao mar impetuoso conduzindo uma corda, que com muito custo, consegue agarrar as rochas e alcançar os ilhados que já estavam em estado de hipotermia.
No dia 16 de julho, dois dias após o início da ocorrência, vários jornais estampavam manchetes sobre ela, aproveitando a situação para frisar também os problemas antigos que apresentava o Serviço de Salvamento Marítimo em Santos da Polícia Marítima, que tinham efetivo nomeado desde 1926, mas que ainda não atuavam no serviço.

As buscas ao bombeiro Constantino prosseguem pelos próximos dias, se encerrando a angústia por sua procura somente no dia 18, por volta das 21h, quando um telefonema no quartel avisa: apareceu o corpo na praia do Itararé, em São Vicente!
No dia seguinte, às 14h, o Cemitério do Saboó, em Santos, estava completamente lotado de autoridades públicas e muitas outras pessoas que compareceram para prestar suas homenagens e se solidarizar com os familiares e amigos nas honras fúnebres deste jovem de apenas 23 anos de idade, que ingressara nos bombeiros em três de janeiro daquele mesmo ano, mas que agora ingressava no rol dos heróis, como escreve o Boletim Regimental nº 159 da Instituição, assinado pelo Comandante na mesma data: “heroico bombeiro Constantino Corrêa, vítima de sua própria abnegação e amor ao próximo”.

A prematura morte do bombeiro Constantino mudaria de uma vez por todas o futuro do Serviço de Salvamento Marítimo no Estado de São Paulo. Primeiro foi a criação de uma prova rústica, patrocinada pelo jornal “da Noite”, em seu nome, que aconteceria no mesmo local da ocorrência: Ilha Urubuqueçaba.

Para esta prova, o Corpo de Bombeiros Municipal inclui em sua rotina, todos os dias, o deslocamento de bombeiros para treinamento no mar.
A “Prova Rústica Constantino Corrêa” foi a primeira iniciativa que fez com que o bombeiro se achegasse ao mar em definitivo, fato que jamais sairia do “DNA” do Corpo de Bombeiros de São Paulo. 

Porém, a prova não foi a única repercussão gerada pela morte de Constantino. Sua morte também ecoou na Assembleia Legislativa do Estado, aumentando as discussões sobre os postos de salvamento das praias de Santos e Guarujá, tantas vezes denunciada pelos jornais, desde 1923. 
Os debates surtem efeito e em 11 de agosto de 1930 começa a funcionar o posto de salvamento do Guarujá, mesmo embora não tenham sido oficialmente instalados. É o primeiro posto instalado e que entra em funcionamento pela Polícia Marítima. Em Santos, já estava ocorrendo o serviço no verão de 1931, porém, em 28 de janeiro deste mesmo ano são extintos por decreto os cargos de remadores dos postos de salvamento da Polícia Marítima.
Este fato causa muita consternação em toda a sociedade paulista. A imprensa durante todo aquele ano, em cada ocorrência de afogamento, publica reportagens sobre a inexistência do Serviço de Salvamento Marítimo nas praias. Com esta ausência, passa a ser comum o acionamento dos bombeiros para os salvamentos no mar.
Em 12 de maio de 1932, após anos de solicitações e impasse quanto aos postos em Santos, é definitivamente inaugurado e entregue a população o Posto de Salvamento nº 1. Com a entrega do primeiro posto, fica incumbido o Corpo de Bombeiros Municipal de Santos o exercício do Serviço de Salvamento Marítimo e administração dos 
demais postos a serem construídos na Cidade. Um regulamento para os bombeiros-remadores é transcrito no Boletim Interno n.º 124, de 31 de maio de 1932:

REGULAMENTO PARA OS POSTOS DE SALVAÇÃO DE SANTOS

Art.1º - Os postos de salvação têm por fim prevenir os casos de acidentes por submersão e acudir com presteza as pessoas que estejam na iminência de ser vitimadas por esta forma;
Art.2º - Os postos de salvação serão estabelecidos nas praias do José Menino e do Embaré e ficarão localizados nos seguintes: o n.º 1 próximo ao Canal 1, o n.º 2 junto ao Canal 2, o n.º 3 no Gonzaga, o n.º 4 próximo ao Boqueirão;
Art.3º - Em cada posto haverá um mastro de sinais: indicando o guarda chuva aberto que o posto está funcionando, e sinal de perigo quando içada uma bandeira vermelha, passando a linha de arrebentação. 
Quando um banhista se afastar desse limite, um sinal de apito chamará a atenção do imprudente;
Art.4º - O período dos banhos sob a proteção dos postos será no inverno das 7h às 11h e das 15h às 18h, a partir de 1º de abril a 30 de setembro e no verão das 6h às 11h e das 16h às 19h, de 1º de outubro a 30 de março. Nos domingos e feriados o banho será prolongado por mais uma hora pela manhã e à tarde;
Art.º5 – Durante as horas estabelecidas no artigo anterior, a Prefeitura manterá em cada posto um vigia alerta, equipado e pronto para entrar em ação, e no mar, em cruzeiro de vigilância, um barco-patim a distância de 50 metros da praia, equipado com salva-vidas, cordas e demais apetrechos adequados ao salvamento;
Parágrafo Único – Entre o vigia e o tripulante do barco haverá sinais que orientam o barco quando se tratar de algum salvamento. Os sinais serão dados pela bandeira vermelha e um tiro de pólvora seca, no caso de eminente perigo de vida;
Art.6º - Como medida de prevenção, os encarregados do serviço do posto de salvação devem:
Advertir as pessoas que procuram as praias para uso do mar sobre lugares onde existem ou se presumam existirem perigo de qualquer natureza, variáveis, momentâneos ou permanentes, devendo, neste último caso, assinalá-los de maneira mais conveniente e visível;
Nas horas estabelecidas para os banhos de mar, exercer vigilância ininterrupta, de modo a poderem prestar socorros ao primeiro alarme;
Ter a embarcação e mais utensílios prontos e aptos para largarem ao mar e entrarem em imediata ação;
Art.7º - Nos casos de acidente de asfixia por submersão, os encarregados do posto, na falta de médico, farmacêutico ou enfermeira, 
deverão dispensar incontinente os cuidados aconselhados nessa circunstância de acordo com os ensinamentos ministrados;
Art.8º - Os encarregados do posto de salvação não poderão recusar os seus serviços, sob qualquer pretexto, a quem quer que deles necessite ou os reclame;
Art. 9º - O pessoal dos postos de salvação ficará constituído por um inspetor geral dos postos e auxiliares, vigias e remadores, de livre escolha do Prefeito, devendo satisfazer os quesitos seguintes:
Ter idade superior a 21 anos e inferior a 50 anos;
Provar mediante atestado médico que não sofre modéstia infectocontagiosa, nem de qualquer defeito de tato, de visão ou audição;
Provar que tem resistência física necessária para o bom desempenho do serviço que lhe incumbe e que é bom nadador;
Provar boa conduta e que não se entregue ao vício de embriaguez;
Ter carteira de identidade e folha corrida da Polícia.
Boletim Regimental n.º 124, de 31 de maio de 1932 Corpo Municipal de Bombeiros de Santos.
Ninguém jamais poderia imaginar que a comoção sobre a morte trágica do bombeiro nº64 Constantino Corrêa, abalaria e mudaria totalmente o Sistema de Salvamento Marítimo no Litoral Paulista. 
Sua morte fez com que a sociedade, imprensa e autoridades públicas se mobilizassem, cada qual em sua esfera, para que o Serviço de Salvamento fosse de fato implementado em Santos para assim diminuir o grande número de afogamentos que crescia a cada ano. Com a extinção do cargo de remador na Polícia Marítima em janeiro de 1931 e o hiato de cerca de um ano de praias desprotegidas, somado com a recém entrega do Posto de Salvamento nº 1 na Praia do José Menino, em frente ao local onde Constantino tornou se herói, não havia como o Serviço de Salvamento Marítimo não ter sido assumido pela Instituição, agora mais capacitada e gabaritada desde a morte de Constantino: o Corpo de Bombeiros Municipal de Santos, que desde o fatídico dia 14 de julho de 1930 vinha treinando no mar, diariamente, e já estava atendendo regularmente ocorrências de afogamento em curso na cidade desde o fim do serviço pela Polícia Marítima, no início de 1931.
Em 1 de junho de 1932, as praias de Santos tinham os primeiros onze bombeiros, muitos deles fruto do treinamento para a “Prova Rústica Constantino Corrêa”, que passariam a ser chamados de “bombeiros remadores”, passando pela nomenclatura de “salva-vidas”, até ao atual e mais adequado termo: “guarda-vidas” do Corpo de Bombeiros da Polícia Militar do Estado de São Paulo. 
Aos bravos e eternos guarda-vidas do Grupamento de Bombeiros Marítimo!

Ao eterno herói: 

       Bombeiro nº 64 Constantino Corrêa!

Texto: Cap PM Paulo Sérgio dos Santos
               Santos, 25 de junho de 2021

Pesquisador: Sgt Eduardo Marques de Magalhães          

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