VETUSTO CASARÃO - RUA DIREITA

            "Vetusto Casarão Rua Direita"
1911 - Num vetusto casarão da rua Direita - A loja de ferragens Teixeira de Carvalho devorada pelo fogo. Comparecimento imediato dos bombeiros. Socorros da seção do Oeste duas horas de incessante trabalho prejuizos totais. 

As providências da polícia 

Uma das mais antigas e das mais conceituadas lojas de ferragens de S. Paulo foi, ás primeiras horas do dia 03 de março de 1911, destruida totalmente por violento incêndio, contra o qual foram impotentes os esforços e o denodo inexcedivel dos bombeiros.
Trata-se da casa Teixeira de Carvalho, instalada no extenso casarão de feitio colonial, que se ergue desde tempos imo-moraveis na rua Direita, quase em frente á rua José Bonifacio, com as suas vetustas sacadas guarnecidas de abacaxis de ferro e a vasta platibanda suspensa no alto da frontaria.

Em 1819, isto é, a 72 anos, o falecido Antônio Teixeira de Carvalho fundou ali a sua loja de ferragens, talvez a primeira de São Paulo, dotando-a de um sortimento completo e compatível com a época.

Prosperando dia a dia, alastrou-se o estabelecimento por todo o extenso prédio, tornando-se o mais reputado no genero pela honestidade dos seus negócios e variedade de sortimento, circunstâncias essas que valeram á casa, ainda conhecida por Teixeira de Carvalho, uma constante e numerosa clientela.

Atualmente girava a casa comercial sob a firma de Carvalho Filho o Comp., sendo sócios comandatarios o sr. Ernesto Teixeira de Carvalho e solidário o sr. Francisco Soares de Carvalho Filho.
Compreendendo que o velho casarão, arcaico e fóra do alinhamento, deslustrava a estética da rua Direita, onde só elevam elegantes edifícios de construção modernissima, a nova firma deliberou a um ano construir no mesmo terreno um grande prédio de dois andares com dependências para todo o variado sortimento.

E tratou de obter uma nova casa, se possível fosse, na propria rua Direita, para instalar-se provisoriamente, até a definitiva conclusão das obras, que seriam atacadas em seguida.

Mas o ano decorreu sem que os negociantes lograssem a realização desse plano.

Ultimamente, porém, vagou-se o extenso armazém da rua Direita n. 31, entrando a firma Carvalho Filho e Comp. em negociações para a mudança imediata da loja de ferragens.

Toda a mercadoria foi removida das prateleiras e disposta no assoalho para ser removida. As armações e demais mobiliário, foram transportados para o n. 1.

Em seguida a um trabalho insano, que se prolongou por todo o dia, o estabelecimento fechou-so ás 8 e meia horas da noite, hora em que saiu o último empregado, Raymundo Monteiro, guarda das chaves.

Dez minutos depois, algumas pessoas que transitavam pela calçada da loja foram alarmadas com um estampido surdo que pareceu ter partido do interior do prédio. Duas delas cairam, assustadas, no passeio.

O porteiro do Club dos Excêntricos, José Vieira de Moura, morador á rua Bonita n. 9, achando-se á porta do club, que é fronteiro da loja, ouviu distintamente o estampido e correu a dar alarma ao rondante da rua. O mesmo aconteceu com referencia ao proprietário da "Bota Ideal", contigua á loja Teixeira de Carvalho.

Quasi em seguida ao estampido, um baço clarão se refletiu nas frinchas das três portas e das duas vitrines.
E as primeiras nuvens de fumo só adelgaçaram no espaço, denunciando o incêndio.

Nesse momento o sr. Francisco Gomes de Araujo, hóspede do Hotel Machado, fronteiro ao prédio, comunicava-se com a polícia, no passo que o rondante n. 342 dava alarma de incêndio pela caixa de segurança n° 3, colocada na parede do antigo Banco de Credito Real.

A esse tempo, já de fora se percebia o crepitar das chamas no interior do casarão.

Aos gritos de fogo! fogo! a rua Direita povoou-se de curiosos, afluindo gente de todas as direções. Apitos de socorro trilharam insistentemente, estabelecendo-se o pânico das grandes catástrofes irreparáveis.

Quatro minutos depois de dado o aviso aos bombeiros, os primeiros toques de corneta foram ouvidos no largo da Sé.

Houve um reboliço de povo na rua Direita, já repleta. A multidão comprimiu-se nos passeios para dar passagem ao material, que entrou precipitadamente ao badalar alarmante das campainhas e ao clarão avermelhado dos archotes.

Com uma precisão pasmosa as parelhas foram contidas no seu furor e os carros estacaram, uns após outros, lascando fogo das calçadas. Bombeiros saltaram aos mangotes, sobraçando escadas e machadinhas, e o toque do sentido écoou por toda a rua.

Uma bomba resfoleganto e deitando baforadas de fumo foi postar-se junto ao hidrante do largo da Misericórdia, mesmo na esquina da rua Direita; rolos de mangueiras começaram a ser distendidos; e um grupo de denodados bombeiros, a golpes insistentes de machadinhas, deitavam abaixo as portas e vitrines com um retinir de vidros.

Uma lingua de fogo emergia da vitrine da esquerda, lambendo vorazmente a parede pintada a oleo e comunicando-se ao toldo.

Nesse momento estabeleceu-se pânico entre a onda de curiosos, havendo gritos e correrias. É que as chamas tinham atingido os fios telefonicos, que se partiam, caindo sobre os da Lights com um faiscar ameaçador.

Já um carro do socorro da "Light" tinha comparecido e as comunicações foram cortadas, extinguindo-se a luz dos focos de iluminação pública desde o largo da Misericórdia até ao largo da Sé.

Arrombadas todas as portas do prédio, o fogo, que lavrava com intensidade, tomou maior incremento, iluminando sinistramente todo o trecho da rua.

Foi quando jorraram os primeiros jatos de água da fornalha incandescente. Duas mangueiras ligadas ao hidrante do largo da Misericórdia começaram a funcionar, havendo água em abundância, até com pressão demasiada.

Nesse momento o tenente coronel Soares Neiva, comandante dos bombeiros, temendo que o material fosse insuficiente para evitar que o fogo se propagasse aos prédios vizinhos, requisitou novo reforço da seção Central e o material de prontidão da seção do Oeste.

Logo depois chegavam os socorros foram colocadas bombas a vapor junto dos hidrantes do largo da Sé, da rua Quinze de Novembro, esquina do largo do Tesouro, e na rua da Quitanda, em frente á Delegacia Fiscal.

Muitas outras linhas de mangueiras foram distendidas, sendo o fogo atacado vigorosamento pelos flancos e pela frente. Dois esguichos elevados por meio de uma escada "Magirus" trabalhavam sobre o telhado do prédio n° 6, da rua Direita, onde estava instalada a sapataria "A Bota Ideal"; outros dois funciona-vam pelo telhado da "Casa Byington", de aparelhos de eletricidade, e ainda outros dois jorravam água com abundância dos altos da "Casa Lebre", de fazendas e modas, à rua Quinze de Novembro n° 5. Estavam assim cortadas as comunicações.

Havendo na Casa Teixeira de Carvalho pequena quantidade de agua-raz, gazolina, formicida, polvora o outros inflamáveis e explosivos, não foi tão facil extinguir o sinistro, rebentando fogo aqui e acolá com surdos estampidos. Nuvens de fumo em que bailavam fagulhas elevavam-se ao ar, sendo avistadas de grande distância.

Mas as comunicações estavam cortadas e o Incêndio circunscrito á loja de Ferragens.

O fogo foi então atacado pela frente, por meio de cinco mangueiras, salientando-se no trabalho de extinção por sua atividade e denodo o alferes Antenor Gonçalves Musa, promovido, de segundo sargento a alferes.

Uma hora depois do renhido combate com o elemento destruidor, que chegou a ameaçar o quarteirão inteiro, as labaredas foram dominadas. A água continuava, porém, a chicotear os escombros, escorrendo copiosamente dos grandes toros de madeira carbonizados.

Às 10 horas da noite começava o rescaldo e pouco depois das 11 o material rodava em direção ao quartel.

Durante todo o serviço de extinção do incêndio, extensos cordões de sentinelas continham a onda pecular nas esquinas dos largos da Sé e da Misericórdia e das ruas Direita e Quintino Bocaiúva.

Dirigia pessoalmente o policiamento, o dr. Euclides Silva, delegado do distrito.

Estiveram ainda presentes os drs. Pinheiro e Prado, o Theophilo Nobrega, primeiro e quarto delegados auxiliares; o dr. Cantinho Filho, primeiro delegado, que se achava de serviço na Polícia Central.

O empregado da Repartição de Águas, incumbido da abertura dos hidrantes, compareceu com toda a presteza.

Nos altos da loja de ferragens funcionavam os escritórios dos advogados drs. Theodoro Bayeux e Mamede de Freitas, escritórios esses que pouco sofreram apenas com a ação da água.

As outras dependências do sobrado tinham sido desocupadas nestes últimos dias, para a demolição do prédio.

O material do bombeiros da seção Central foi comandado pelo capitão Meissner e o do Oeste pelo tenente Luiz Cianciulli.

Na saída do material da seção Central um carro de mangueiras foi de encontro a uma das pilastras do portão, ficando muito danificado.

Felizmente não houve desastres pessoais a registar. O prédio incendiado era de propriedade do dr. Francisco de Carvalho, e estava no seguro.

Enquanto os bombeiros trabalhavam na extinção do fogo, as autoridades fizeram conduzir para a Repartição Central da Policia, os srs. Ernesto Teixeira do Carvalho e Francisco Soares do Carvalho, socios da casa, e o empregado Raymundo Monteiro, que tomava conta das chaves e que foi o ultimo a sair. 

Quanto á origem do incêndio, não sabiam a que atribuir, suspeitando que so tratasse de uma explosão do gaz ou de luz elétrica, pois os respectivos registos ficavam situados exatamente junto á vitrina da esquerda, onde pareco ter começado o fogo.

                     "Ontem Hoje e Sempre"

Fonte: Correio Paulistano - sábado 04 de março de 1911- pág. 04
Pesquisador: Eduardo Marques de Magalhães 


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