50 ANOS - GRANDE INCÊNDIO JOELMA

50 ANOS - GRANDE INCÊNDIO JOELMA

01 de fevereiro de 1974 - Oito e meia da manhã. O centro da cidade estava cheio de gente andando apressada, esgueirando-se da chuva fina que caia. No edifício Joelma, que abrigava os diversos departamentos do grupo Crefisul, o expediente já havia começado, no 12° andar (que visto do lado de fora parecia o oitavo) alguns operários instalavam um aparelho de ar condicionado. De repente, o curto circuito, a fagulha, as chamas que atingem as cortinas novas.

As pessoas que passavam na calçada, lá embaixo, começavam a notar a fumaça, no começo fraca e pouca, logo tornando-se escura e espessa. Às nove horas o fogo já ameaçava seriamente pelo menos quatro andares, o pânico se espalha, mas por enquanto ainda ninguém havia pulado, talvez lembrando a tragédia do Andraus, talvez numa fuga inconsciente da morte, as pessoas sobem as escadas em atropelo em direção ao terraço do último andar. Só que o edifício Joelma não tinha heliporto, e os corredores das escadas de circulação eram mais estreitos, os degraus mais íngremes.

Agora, a vida da cidade estava inteiramente transtornada. A chuva ainda não havia parado, mas as pessoas paravam olhando para cima, para as chamas, em boa parte do viaduto Nove de Julho, da rua Santo Antônio, da avenida Nove de Julho, da praça das Bandeiras. Eram milhares de homens e mulheres, unidos pelo medo, mal falando entre si, muitos estavam rezando.

No início do incêndio as chamas se alastraram rapidamente porque todas as salas eram acarpetadas e as divisórias de material sintético.

PRIMEIRAS GUARNIÇÕES DE BOMBEIROS

Por volta das 9:00 horas, mais ou menos, chegaram as primeiras guarnições, uma delas, comandada pelo sargento Rufino Rodrigues de Oliveira, o fogo consumia só o centro do prédio, mas avançava rapidamente para tomar toda a estrutura. Como estavam com viaturas de apoio e as escadas Magirus ainda não haviam chegado, começaram a atirar cordas para subir.

O sargento conta que, quando chegou no 12º andar, sua primeira providência foi apagar três corpos em chamas.                           

 RÁDIO REPÓRTER MILTON PARRON

Estávamos na Avenida 23 de Maio, do aeroporto para a cidade, na altura da Avenida Paulista, quando a redação nos chamou, perguntando sobre a nossa posição e, em seguida, determinou que fôssemos imediatamente para a Praça da Bandeira, onde um grande incêndio estava ocorrendo.

Lembro-me, também, do horário em que transmiti o primeiro boletim sobre o incêndio: foi por volta das nove horas. Lacônico, dei as informações que a redação me havia passado: “Um incêndio está irrompendo, neste momento, em um prédio localizado na Praça da Bandeira".

O segundo boletim, já com cores mais dramáticas, foi transmitido da frente do edifício em chamas, enquanto estacionávamos o carro de reportagem. A terceira intervenção começou pouco depois das nove horas, no momento em que chegavam as primeiras auto bomba, e se estendeu até às nove da noite. Foram doze horas de transmissão ininterrupta, um dos boletins mais longos que já fiz.

No início os bombeiros usaram quatro jatos de água combatendo o fogo, mas logo tiveram problemas. A primeira mangueira dirigida contra o fogo, no começo, lançava um jato de água sem pressão. Na segunda mangueira, faltavam uns 20 metros para chegar às chamas. A exemplo do que ocorreu no incêndio do Edifício Andraus, faltavam equipamentos.

Os bombeiros lutavam com grandes dificuldades, os hidrantes do prédio não funcionavam e as mangueiras dos carros dos bombeiros não tinham pressão suficiente para alcançar todos os andares. Mais de mil pessoas agrupavam-se em frente às três fachadas do prédio.  Em quase todos os andares viam-se labaredas lambendo as janelas, do décimo terceiro para cima, a fumaça envolvia tudo.

Do local onde nos posicionamos, a menos de vinte metros da entrada principal do prédio, e lá tendo chegado antes mesmo das primeiras brigadas de combate a incêndio dos bombeiros, não apenas assisti a todas as cenas daquela tragédia como, também, tive de transmiti-las, incluindo as mortes daqueles que se atiravam no asfalto diante de mim.

Um ouvinte que estava no alto de um prédio do outro lado da Praça da Bandeira observou que uma mulher se encontrava pendurada numa janela na altura do 13° andar do edifício em chamas, prestes a se atirar. Uma densa camada de fumaça subia dos andares inferiores, rente à parede, impedindo que a mulher fosse vista. O ouvinte, que se identificou como Joel, conseguiu avistá-la exatamente por estar no mesmo plano e numa posição lateral. Certo de que não chegaria a tempo de avisar os bombeiros se tivesse de cruzar toda a praça tomada por uma multidão e, assim mesmo, talvez nem conseguisse ser ouvido, resolveu telefonar para a Jovem Pan e, no ar, descreveu o que estava presenciando. 

Corri ao capitão Caldas, um dos oficiais dos bombeiros em comando, e coloquei um fone no seu ouvido. Começou, então, uma incrível operação de salvamento. Balizado pelas informações do ouvinte, o capitão Caldas passou a orientar o bombeiro que operava a escada Magirus, que foi deslocada para o local onde se encontrava a mulher. Foi um dos momentos de maior emoção que já vivi, especialmente quando notei que o bombeiro no topo da escada começou a gesticular, sinalizando que havia localizado a vítima, que, entretanto, encontrava-se um andar acima do topo da escada. 

Que nobreza de alma move esses soldados do fogo! Apesar de ter de enfrentar a fumaça, o fortíssimo calor, as explosões de vidraças e dos aparelhos de ar-condicionado, aquele bombeiro permaneceu equilibrado no último degrau da escada, dezenas de metros acima de nossas cabeças, conversando com a mulher, procurando acalmá-la, esticando-se todo, tentando apanhá-la com as pontas dos dedos, como se tivesse forças físicas para sustentá-la. De repente, a mulher despencou. 

Quis a Providência, no entanto, que o esforço daquele homem não fosse em vão, e a vítima acabou caindo sobre a escada e sobre ele, rolando ambos pelos degraus. Ficaram feridos, ele bem mais que ela, mas salvaram-se; e a multidão emocionada prorrompeu em aplausos, enquanto ambos eram colocados na ambulância que os levou para o hospital. 

Ao meu lado, com o fone ainda no ouvido, o capitão Caldas sussurrou: “É um grande soldado”. Até hoje não descobri se foi por causa da fumaça ou da emoção que os olhos do capitão ficaram marejados de lágrimas. Confesso que os meus também.

Mais tarde, outro ouvinte, que também acompanhava os acontecimentos a distância, telefonou para nossa redação para informar sobre um foco de incêndio para ele claramente visível que estava irrompendo em um dos andares, quando as operações de combate às chamas já haviam sido praticamente encerradas. Levado o fato ao conhecimento dos bombeiros, reiniciou-se a luta a tempo de evitar que o incêndio recrudescesse.

O incêndio foi dado por extinto por volta das onze horas, e, por volta das duas da tarde, todos os sobreviventes já haviam sido resgatados.

Mal alimentados, cansados fisicamente, pressionados pelas repetidas cenas de emoção e de terror a que estávamos assistindo havia horas, ansiávamos pela chegada do programa da Agência Nacional “A Voz do Brasil”, transmitido obrigatoriamente em rede nacional, significando que teríamos uma hora de folga para, ao menos, poder respirar. Ledo engano!

O Ministério da Justiça nos liberou desse compromisso em favor da continuidade da transmissão do incêndio, já que entendia tratar-se de uma prestação de serviço imprescindível naquele momento. Até aquela data nunca tal fato havia ocorrido, nem mesmo por ocasião das graves crises institucionais, dentre outras decorrentes da renúncia do presidente Jânio Quadros e da deposição do presidente João Goulart.

Já era noite, quando o capitão Caldas foi até a minha viatura, tomou um copo de suco de laranja e perguntou se eu não queria entrar no prédio que, àquela altura, já não oferecia perigo. Resolvi acompanhá-lo e levei comigo o operador Natal Baldini e o motorista Paulo Rodrigues. 

Tenebrosas – é o termo mais adequado para as cenas que vimos. Iluminado apenas por holofotes, sobressaiam no vazio as sombras lugubremente projetadas nas paredes. O cheiro forte de fumaça misturava-se ao odor inconfundível das churrascarias. Associar o cheiro aos fatos era uma reação elementar, e aquilo nos causou náuseas. Foi o instante em que a emoção superou a sobriedade e desabei num choro convulso.

Ainda me lembro do abraço fraterno daquele valoroso oficial dizendo que as lágrimas eram a mais sincera homenagem que poderíamos prestar àqueles que não tinham sido salvos.

Só deixamos a Rua Santo Antônio no dia seguinte, às dez horas da manhã, depois de completar mais de vinte e quatro horas de permanência no local da tragédia.

SALVAMENTO COM APOIO DAS ESCADAS MAGIRUS

Por volta das 9:45 horas, o corpo de bombeiros coloca uma escada Magirus conseguindo retirar 15 pessoas do 13° andar, que descem rapidamente. A segunda escada Magirus era curta demais. Somente por volta das 12h00, chegaram perto do edifício Joelma duas novas escadas Magirus de 45 metros que foram colocadas ao lado da rua Santo Antônio, e anexadas às escadas menores conseguiriam chegar ao 16º pavimento, pouco abaixo de um grupo de sobreviventes ilhado num peitoril da janela. 

Os helicópteros que passavam perto só aumentavam a fumaça. 

Finalmente, dois bombeiros partiram em busca dos rapazes. Depois de subir até onde a Magirus alcançava, usaram uma pequena escada metálica, com ganchos nas extremidades, para alcançar o andar superior. Enquanto um deles segurava, o outro subia; depois, subia também. Lentamente, a operação foi repetida andar por andar, até chegarem ao pequeno patamar. Repetiram a operação para descer, desta vez com os rapazes na frente, amarrados por cordas e sustentados pelos dois bombeiros.
Muitos bombeiros que subiam pelas escadas tinham de se livrar de cacos de vidros, reboco e objetos, os mais variados, que caíam ou eram jogados pelas janelas. 

Uma das escadas Magirus, chegou pouco acima do 14° andar, por isso algumas pessoas que estavam com a Edna Kleinschmidt, no 18° andar resolveram usar as cortinas como cordas salvadoras, e assim conseguiram chegar até o 15° andar e num ato de desespero, Edna pulou meio andar que restava, na tentativa de alcançar a escada Magirus. Era inacreditável! Estava a salvo!!! Agarrou-se na escada. Lembra-se que foi tudo muito rápido, havia descido apenas alguns degraus, quando foi impedida pelo bombeiro logo abaixo e pelo aglomerado de pessoas que se formavam na escada. A partir desse instante, não se recorda de mais nada, simplesmente "apagou", com um forte impacto de algo desmoronando sobre sua cabeça. Ficou uma lacuna em sua história sobre o que de fato ocorreu no momento em que desmaiou.

Descobriu anos depois que o bombeiro Ezequiel Pereira, foi quem lhe deu cobertura na escada enquanto descia e contou-lhe que ao olhar para cima viu um corpo que caía em nossa direção, atingindo com seu braço as costas da Edna. No instante em que perdia os sentidos rumo ao chão, Ezequiel, com grande esforço, segurou-lhe no ar, quase caindo, arriscando sua própria vida.

                       EQUILÍBRIO PRECÁRIO

No 20° andar, seis pessoas equilibravam-se no pequeno patamar. Quase não havia lugar para todas, um rapaz de terno azul agarrava-se precariamente a uma parte saliente, uma das pernas já do lado de fora do edifício, como se fosse saltar.  Embaixo, os bombeiros acenavam e pediam calma. "O fogo acabou, só um pouco mais de paciência", gritava um policial por um megafone. Outros pintavam, num amarelo muito vivo, sobre grandes faixas de pano, "O fogo já apagou" e "Coragem, vamos salvá-los". O som do megafone aparentemente não chegava a eles, mas ao ver as faixas um dos rapazes fez um sinal afirmativo com o polegar, puxou um lenço verde e acenou.                                                                    

AOS PULOS

Em um dos episódios mais dramáticos, foi salva uma criança de um ano e meio. A mãe saltou para a morte do 15º andar, mas abraçou-se com ela e conseguiu protegê-la com seu corpo. Depois do impacto da queda, os bombeiros ouviram o choro, recolhendo imediatamente a criança, levada para o Hospital das Clínicas. Os corpos se amontoavam na rua e eram cobertos por jornais, cobertores, capas de chuva. Vários minutos depois, um caminhão da polícia e algumas ambulâncias recolheram os primeiros corpos e os levaram para o Instituto Médico Legal. 

Todos queriam sair do edifício de qualquer maneira, alguns chegaram a pular três andares, com o risco de despencar, para alcançar os andares inferiores, onde chegava a escada Magirus. Celso Bitdinger, 22 anos, um pouco depois do incêndio, no banheiro do 21° andar, ele já não aguentava mais a fumaça, e tomou a decisão: "Vou descer, talvez até a garagem". De costas para a avenida 9 de Julho, começou a pular de andar em andar, balançando o corpo e jogando-se até a marquise do andar inferior. "Eu estava muito lúcido, e achei que esta era a única saída. 

Olhava bem antes de pular, para ver, direitinho, através da fumaça, onde estava a marquise. No 17° andar, encontrei uma mulher e só depois eu soube que ela era a copeira Geni. Ela estava muito nervosa. Agarrou-se a mim e pediu que a tirasse de lá. Desci mais um andar e pedi que ela também fizesse o jogo de corpo. 

Mas ela queria descer de frente, e isso era impossível. Então, deixei que ela se pendurasse na marquise, segurei seus pés e ela desceu. Celso mantinha-se deitado, mas a mulher às vezes se levantava, enquanto o rapaz a segurava, fazendo gestos para que ela se deitasse sobre a borda da janela.

CABO JOEL LEITE

A escada Magirus balançava muito enquanto o Cabo Joel Leite, da 4° Companhia do Corpo de Bombeiros (Cambuci), vencia seus degraus levando uma escada de mão passada no ombro. O extremo da escada, a 45 metros de altura, atingia o 3° andar do lance de escritórios do edifício e um andar acima um rapaz de cerca de 25 anos e uma mulher de cerca de 40 anos esperavam, deitados na borda da janela, ilhados pelo fogo.

Eles haviam visto outra escada subir, e atingir apenas o 2° andar (estava defeituosa), ser retirada. Viram no chão, dezenas de pessoas fazendo sinais para que esperassem a legenda pintada no asfalto "CALMA", o fogo acabou. 

O Cabo Joel Leite, quando subia, agarrando-se firmemente à escada, não lembrava dos seus seis anos de bombeiro, nem dos seus três filhos, "Eu só queria chegar lá e retirá-los. Essa era minha missão".

Aos poucos, ele foi vencendo os degraus, a fumaça que de vez em quando o atingia e chegou ao topo da Magirus. Ergueu a escada de mão até a borda da janela onde estava o casal, gritou ao rapaz que firmasse e começou a subir, embora a Magirus estivesse no último lance inclinada cerca de 30 graus. Com meio corpo a altura da janela, ele passou um braço em torno da mulher e está quase desmaiou. Mas Joel Leite conseguiu descê-la até a Magirus, onde outro bombeiro esperava para auxiliá-lo.

A seguir veio o rapaz, Joel Leite não teve muito trabalho, o moço estava calmo e o trabalho do bombeiro foi fazer-lhe cobertura com o corpo, caso ele não aguentasse descer a escada. Mas tudo foi bem, ambos descendo de costas até o chão onde o rapaz foi colocado em uma ambulância. 

Joel Leite foi pequeno para os abraços de seus colegas, para os jornalistas que queriam entrevistá-lo e para as pessoas que queriam felicitá-lo. Logo recebeu um saco plástico de leite que os abraços faziam derramar pelo peito e ofegante disse diante de uma câmera de TV: "Nessa hora eu não posso sentir nada. Apenas a alegria de cumprir a minha parte nesta missão".

Marcos Ligere; Hiroshi Shimuta; Ibá Resende e Pereira ao perceberem que o fogo se alastrava na direção contrária à dos banheiros. Tiveram, então, a iniciativa de reunir todo o grupo em um deles. "Vamos ficar dentro do banheiro, presos lá dentro. Neste cubículo quem sabe a gente consiga escapar". 

Em questão de minutos, a porta começou a queimar e a fumaça tomou conta do local. Respirar passou a ser uma tarefa complicada. Sufocados, os quatro resolveram se abrigar no parapeito, um a um, todos saíram pela janela e se espremeram em um espaço minúsculo.

A mesma decisão, de esperar pelo salvamento, não tiveram outras 20 pessoas que se jogaram do prédio - uma delas, a secretária de Ligere. Ele relembra o momento em que a encontrou: "Ela passou e o seu olhar era de pânico. Nesse cenário de desespero, muitas pessoas decidiram que pular era a melhor alternativa".

Em intervalos pequenos, cada um deles começava a chorar. A agonia da espera pelo salvamento durou algumas horas. Pouco antes das 15h, a esperança de sair com vida do Joelma tornou-se realidade.

Ligere era um dos poucos que conseguia enxergar o que ocorria nas ruas em frente ao Joelma. Acompanhou boa parte do trabalho dos bombeiros. Assistiu, inclusive, uma das viaturas dotadas de escada Magirus entortar na Praça da Bandeira. 

Uma escada Magirus estava encostada numa janela do nono andar, mas uma hora depois ela entortou nitidamente, quase na extremidade, com a batida de um  corpo.

Outra viatura estava iniciando os procedimentos de subida, mas Ligere e os colegas perceberam que ela não chegaria nem próxima do 22º andar.

Os bombeiros, liderados pelo cabo Leite e soldado João Simão Souza, foram montando escadas improvisadas ligando um andar ao outro, até chegarem ao local onde estava o grupo de Ligere, que foi um dos últimos a deixar o Joelma. Naquele momento o fogo já havia consumido praticamente todo o prédio.

Shimuta tinha medo dos degraus da escada Magirus. Eram curtos, e atrasaram a descida. Ao chegar ao solo, deu um passo para frente e olhou para o céu: "Me agachei e, ajoelhado, agradeci a Deus por ter me dado uma segunda chance".

Ligere também explica como saiu do prédio: "A escada balançava. Segurei firme. Fui descendo, até chegar ao chão".

Ele só percebeu que o pesadelo chegou ao fim quando recebeu das mãos de um bombeiro sacos de leite. Aquela sensação ele jamais vai esquecer. "É a mesma coisa que estar no deserto e saber que tem água. Me afoguei."

                               CALMA

Rolf Victor Heuer deu um grande exemplo de calma durante o incêndio do Joelma. Ao ver que o fogo não chegaria onde estava, manteve-se impassível. Não tirou o paletó e nem a gravata. A roupa o protegia do calor, explicou.

A história de Rolf Victor Heuer, um gaúcho de 48 anos, é um bom exemplo. Primeiro ele viu que havia fumaça no andar de baixo. Desceu do 19º andar, onde trabalhava, para o 18°. Estava tranquilo. Sabia que alarmes falsos e incêndios sem importância viviam acontecendo nos grandes edifícios. No entanto, o fogo desta vez era real. Quando Rolf voltou correndo ao seu 19º andar, já encontrou seus colegas de seção envoltos em fumaça e pânico. Estava começando a tragédia do edifício Joelma, em São Paulo, e Rolf Victor Heuer preparava-se para viver o dia mais extraordinário de sua vida. Durante três horas e meia ele fechou portas e janelas, falou com os amigos e tentou orientá-los. Perdeu muitos de vista, no meio da fumaça. Sem tirar sequer a gravata, com seu terno marrom esquentando-lhe ainda mais o corpo, ele esperou num parapeito do prédio, entre um cigarro e outro, que os bombeiros viessem salvá-lo.

Quando a calma e o bom senso salvam a vida - Durante essas três horas e meia, Rolf pensou no desespero de sua mulher e de sua filha, que deveriam estar chegando de Porto Alegre. Pensou no desespero dos outros ocupantes do prédio. Pensou no desespero de gente presa dentro de salas e dos parentes amontoados na rua. Pensou em tudo isso mas não se desesperou. Usando apenas o bom senso, e sem ter feito nenhum curso especial, ele seguiu todos os conselhos dos técnicos sobre prevenção e combate a incêndios: manter a calma para encontrar abrigo, fechar portas e janelas, não tirar a roupa na ilusão de que se sentirá menos calor e usar lenços molhados para respirar. Elecomentou depois: "O pânico não resolve nada e pode ser o caminho para a morte. Observei bem a situação, antes de me abrigar no banheiro e sair para o parapeito. Fiquei ali porque era o lugar mais seguro. O vento soprava na direção contrária e as chamas subiam mais pelo meio do prédio. E havia, ainda, as lajotas separando as janelas. Ali eu estava protegido". Essa calma não pode ser adquirida em nenhum manual, mas, sem dúvida, não foi por acaso que Rolf Victor Heuer salvou sua vida na trágica manhã do dia 1º de fevereiro. Ele estava calmo porque sabia. E sabia porque um dia esteve bastante calmo para aprender as regras da sobrevivência e compreender que, se o fogo pode irromper a qualquer momento, também é possível vencê-lo com paciência e habilidade.

CAPITÃO WALDEMAR INDALÉCIO JÚNIOR 

Suspenso por uma corda, presa a um helicóptero da FAB, o capitão Indalécio, do Corpo de Bombeiros, baixou junto a uma das alas do edifício, que se conservara mais ou menos resguardada do fogo. Ali, em uma sacada, concentravam-se várias pessoas e quem se encontrava embaixo, temia que as mesmas entrassem em pânico e saltassem ao encontro da morte, como tantos outros fizeram. O capitão Indalécio flutuou sobre a Praça da Bandeira, pendurado à corda, chegando até uma distância de cerca de meio metro daquelas pessoas e com elas conversou, acalmando-as e assegurando que o fogo já estava sob controle, sendo apenas uma questão de tempo a sua retirada daquele local.

"Eles estavam calmos", disse o Capitão, não pude retirá-los com o helicóptero, daquele local, porque a corda somente suportava o peso de duas pessoas de cada vez, e o helicóptero não conseguia manter-se em posição estável, que permitisse o salvamento, em virtude do calor que provocava instabilidade no ar".

Os corpos carbonizados, passavam enrolados em cobertores carregados por bombeiros. Em muitos cobertores haviam mais de um corpo, reduzidos a pequenos volumes negros e disformes.
Eles estavam todos num canto, onde uma pia estourada e um chuveiro retorcido indicando que fora um banheiro e a última e desesperada saída das vítimas do 13° andar. Eram quase duas horas, os corpos já tinham sido descidos todos, e um bombeiro resolve arrombar uma porta, na mesma sala onde eles foram encontrados. Ele abre a porta e fica quieto, olhando, uma sala intacta, a apenas cinco metros do banheiro, onde pelo menos 20 pessoas se esconderam do fogo e morreram. 

Nilton Antônio de Oliveira e mais 11 colegas estavam na tesouraria do Banco Crefisul, no 13° andar tiveram que esperar socorro durante duas horas, espremidos numa marquise. Todos se salvaram.

Os helicópteros salvaram pelo menos 80 pessoas. E não salvaram mais porque as lajes escaldantes levaram muitos ao desespero e à morte. Os pés e as mãos de muitos deles estavam descascando, disse um bombeiro que ajudou a recolher vários corpos.
Subir pelas escadas, por um corredor tão estreito que os próprios bombeiros se referiam a ele como "ratoeira", não era tarefa fácil.
De vez em quando, os próprios bombeiros tinham que ser socorridos ou defender-se do excesso de proteção das dezenas de pessoas que queriam ajudar de qualquer maneira. 

O soldado Mauro, que queimou as mãos dentro do prédio, foi carregado sem perceber para o carro de reportagem de uma rádio, onde foi obrigado a descrever seus ferimentos.

A falta de água era cada vez mais crítica e o Corpo de Bombeiros fazia constantes apelos, mas muitos caminhões-pipa ficavam presos nos congestionamentos, próximos ao local três deles na avenida 23 de Maio. Num determinado momento, dois bombeiros sujos e extenuados concluíam que o problema não era mais o fogo, nem a falta de água.

"Nós precisamos é de espaço". Meia hora depois, um bombeiro saia do prédio carregado, os olhos vermelhos e a respiração difícil. Desta vez, as ambulâncias tinham sido afastadas e ele teve que ser amparado alguns metros para receber os primeiros socorros.

No quinto andar foi improvisado um posto de atendimento de emergência. A tranquilidade, mantida nos momentos mais críticos, foi seguramente o fator responsável pelo salvamento de muitas vítimas.

             REFORÇOS POR TERRA E AR

SGT PM AUGUSTO CARLOS CASSANIGA 

Quando acordou na manhã da sexta-feira 01 de fevereiro de 1974, o na época  Sargento PM do COE Augusto Carlos Cassaniga não imaginava que a sua vida e as de dezenas de pessoas iriam se ligar no topo do Edifício Joelma. Eu estava de folga naquele dia, ainda era solteiro e morava no quartel do COE. Quando soubemos do incêndio no prédio, nos fardamos e formamos uma pequena patrulha para seguir para o local da ocorrência. Eu, o Sargento PM Messias, o Cabo PM Santos e o Soldado PM Maciel.

Pegamos uma viatura e enfrentamos um grande trânsito até chegar ao Joelma, existia uma grande aglomeração perto do local do incêndio. Uma das primeiras pessoas que vimos foi um oficial da ROTA, o Tenente PM Santana. Ele tentava organizar as coisas ali do lado de fora e disse para a gente subir no terraço da Câmara Municipal e falar com o Capitão PM Caldas dos Bombeiros. Subimos eu e o Cabo PM Santos.
Quando me apresentei para o Capitão PM Caldas dos Bombeiros, ele falou que precisava de um voluntário para ir para o Joelma em um helicóptero e saltar no topo do prédio. Ele disse que era arriscado que entenderia uma negativa. Não pensei duas vezes e me preparei.


O Monteiro pilotava uma aeronave da DERSA e assim como eu, ele estava ali para ajudar. Quando embarquei, ele falou para saltar quando mandasse. Na primeira tentativa, ele passou muito alto. Fiquei no esqui (do lado de fora do helicóptero, de pé sobre a barra de aterrissagem) e não pulei. Na segunda, eu pulei. Foi muito rápido e tive a sorte de não acertar ninguém, a colisão seria fatal para os dois. Porém, a queda acabou lesionando o PM do COE que sofreu uma contusão nos pés. Ele calcula que tenha saltado de 4 metros de altura. "Senti o pé formigando, mas amarrei bem a bota e segui para a minha missão". Logo que se levantou, o PM foi bombardeado com uma série de perguntas das vítimas presas no topo do prédio: 

"Por que não jogam água? Vamos morrer? Por que não pousam aqui? Vem só você?", gritavam as vítimas.
As pessoas estavam tão desesperadas que algumas chegaram a perder o equilíbrio e caiam do topo do prédio. "Tive que usar a psicologia de massa e gritar mais alto que eles, eu tinha que fazer com que eles ficassem no centro do telhado para evitar novas quedas. No meio disso tudo recebi duas ajudas, uma da pequena garoa que caía no dia e outra de um voluntário que estava sobre o prédio. 

Esse homem me ajudou a tirar algumas vítimas que estavam embaixo das telhas. Foi um momento complicado, peguei uma mulher nos braços e ela falava algo como "não me deixe morrer". Ela acabou morrendo no meu colo, essa foi a coisa mais marcante.
As esperanças começaram a diminuir enquanto Cassaniga tentava fazer uma triagem das vítimas mais graves, dos que estavam com ferimentos leves e dos mortos. Neste momento, o Policial Militar viu mais um sinal de ajuda. Ele notou a presença de Policiais Militares e Bombeiros no prédio vizinho. As equipes que estavam sobre o edifício Saint Patrick preparavam uma operação de resgate. 

O comandante Carlos Alberto, primeiro piloto de helicóptero do país, com a ajuda do engenheiro Carlo de Bellegarde de Saint Lary, pousou um helicóptero da Pirelli sobre uma pequena laje do prédio vizinho, Edifício Saint Patrick, e levaram a ponta de uma corda de aproximadamente oitenta metros de comprimento para que houvesse uma ligação entre os prédios. O primeiro a usar a corda para atravessar o espaço entre os edifícios, balançando a mais de 80 metros de altura, foi o Capitão PM Hélio Barbosa Caldas dos Bombeiros.

A ideia era criar uma espécie de ponte aérea para retirar as pessoas, usando a técnica de “comando crawl”, uma cadeira de lona que deslizava através de uma polia de alumínio.
Enquanto tentavam organizar o salvamento no topo do Joelma, Cassaniga e Caldas não imaginavam que um pequeno grupamento do COE iria se formar no local. 

O reforço do efetivo viria através do helicóptero UH 1H Huey, da Força Aérea Brasileira, pilotado pelo Major Pradatzki, (auxiliares 2° Sgt mecânico Metta, 3° Sgt Barreto e o Ten co piloto Toni), nele chegaram o Tenente PM Nakaharada, Soldado PM Juvenal, Soldado PM Cid Monteiro, todos do COE e o médico civil Dr. Wanderley Peixoto. Pelas cordas vieram o Cabo PM Santos, Tenente PM Lísias e Soldado PM Ichelli, também do Comandos e Operações Especiais.

Com esses PMs, começamos a embarcar o pessoal no helicóptero da FAB. A gente embarcava primeiro os que estavam em piores condições. Eles eram levados para o topo da Câmara Municipal e de lá iam para os hospitais. Depois de ajudar no resgate acabei apagando e só acordei no hospital durante a noite. Outro helicóptero militar utilizado foi o Bell 204 da FAB, semelhante aos utilizados na Guerra do Vietnã. Nele estava o cabo da Aeronáutica, Daniel Rivelli, 22 anos, um dos mais jovens a participar da operação de resgate das vítimas. As manobras dos dois helicópteros sobre o edifício conseguiram salvar várias vidas.

Os primeiros 30 resgatados foram atendidos no Serviço Médico da Câmara Municipal, em seguida, os serviços de pronto-socorro no próprio heliporto passaram a enviar os feridos diretamente para os hospitais. 

Os mais graves eram transportados nos helicópteros e os que pudessem andar eram levados pelo elevador às ambulâncias instaladas na garagem da Câmara. 

O serviço de pronto-socorro no heliporto chegou a contar com 40 médicos de todos os hospitais, enfermeiros e estudantes de medicina. Para o tratamento, aplicavam oxigênio, pomada à base de vaselina ou anestésica e injetavam calmantes (Diempax ou Sedalena). A pomada era utilizada em grandes quantidades e vinham em enormes sacos de plástico preto.

Por volta das 14 horas, a operação de resgate estava terminada. Os helicópteros pararam na Câmara, no Vale do Anhangabaú ou retornaram às suas bases e os sargentos Freitas, Cassaniga e Messias, liderando os soldados Conceição, Fussile, laqueli, Correia e os cabos Casemiro e Santos, do COE, deram por encerrado o salvamento por ar.

Haviam, então, passado 200 ambulâncias pela garagem da Câmara, cada helicóptero pousou e decolou 10 vezes. Às 14 horas, no heliporto, restavam apenas restos de leite, gaze, seringas, pomada e sangue.

COMANDANTE JONAS FLORES RIBEIRO JUNIOR

Em dado momento, o coronel Jonas Flores Ribeiro Junior não aguentou. Fazia horas que ele estava ali, assistindo ao desenrolar da tragédia. Corpos caiam do alto do prédio em chamas, estourando na calçada. Nas escadas Magirus os bombeiros tentavam retirar pessoas do meio das labaredas. As escadas só alcançavam o 15° andar e havia muita gente, acenando e pedindo socorro nos andares acima. No último andar, centenas de pessoas corriam pelo parapeito do terraço, fazendo gestos, pedindo ajuda, e depois tombavam para não se levantar mais. Bombeiros, desmaiados, eram reanimados com oxigênio e voltavam à ação, porque não havia outros para substituí-los. Cada corpo que caía era uma lancetada no moral do coronel Jonas Flores.

Depois de assistir aos lances mais horripilantes da tragédia, depois de ver seus homens impotentes lutando contra a fúria das chamas, depois de constatar que a catástrofe seria ainda maior não fosse a ação heróica do helicóptero do major Pradatzky, depois de ver seus soldados tapando a respiração com lenços por não terem máscaras contra gases, então o coronel PM Jonas Flores Ribeiro Júnior, comandante do Corpo de Bombeiros, desabafou.

"Agora, eu tenho que falar. Não dá mais. Um mês depois do Andraus, ninguém mais se preocupou com o problema dos incêndios e, hoje, acontece isto. Os bombeiros estão

preparados, mas apenas dentro dos meios com que podem contar. Temos apenas 13 postos espalhados pela cidade, mas precisamos de pelo menos 70, um para cada grupo de 150 mil habitantes. Só assim conseguiríamos chegar ao local do fogo nos primeiros cinco minutos, fundamentais para não deixar as chamas se propagarem".
Houve um momento em que o coronel Jonas Flores Ribeiro Junior perdeu a paciência. Às 19 horas, enquanto um soldado da Polícia Militar era colocado em uma ambulância, para ser conduzido ao hospital, o comandante Cabette, da PM, pretendendo acalmar o coronel, disse que provavelmente se tratava de simples estafa. "Estafa... Eles podem até morrer, por falta de revezamento", respondeu irritado o coronel.
E a queixa que mais se ouviu da boca do comandante dos Bombeiros, durante o incêndio do Joelma, foi contra a falta de homens em sua unidade. "Temos um efetivo de no máximo 1.600 homens, mas precisamos de pelo menos 7 mil. Só o Estado da Guanabara, com uma população menor que a de São Paulo, tem cinco mil homens para combater incêndios. Os nossos 150 bombeiros que trabalharam durante todo o dia aqui não vão descansar agora. Vão limpar as botas e continuar de plantão, esperando outro incêndio. Não temos homens para revezamento".

COMANDANTE HÉLIO BARBOSA CALDAS

Naquela noite, quando tirou o uniforme no quartel, o então capitão Hélio Barbosa Caldas encontrou nos bolsos vários bilhetes. Eram rabiscos de pessoas se despedindo e deixando recados para as famílias. Sobre o telhado do Joelma, onde Caldas estava, 64 pessoas morreram. Os que ainda viviam, se agarravam nele.

"Não tive coragem de ler os bilhetes", conta. "Passei muitas noites sem dormir." A cidade já tinha saudado Caldas como herói dois anos antes quando saltou de um helicóptero sobre o teto do Andraus. 

No Joelma, as pessoas choravam e rezavam na rua quando ele arrastou-se por uma corda esticada de um prédio vizinho ao telhado em chamas. Humilde, ele diz que não há heróis num incêndio que mata 187 pessoas. 

"Saímos arrasados de lá. Eu não queria mais ser bombeiro. O salvamento foi um fracasso."
Caldas comandava o Serviço de Busca e Salvamento e chegou ao Joelma à frente de 80 homens. Foi o último a sair do telhado depois de contar 64 corpos e conferir se estavam mesmo mortos. 

"Muitos morreram nos meus braços." Do telhado, 81 pessoas saíram com vida. Enquanto parte dos bombeiros subiam por uma das laterais do prédio, Caldas tentava chegar ao telhado, onde quase 150 pessoas estavam presas.

Foi um dos seus alunos, o então 2° Sgt Augusto Carlos Cassaniga, que primeiro chegou ao teto. Pendurado em um helicóptero, ele despencou de quatro metros de altura, afundou o telhado de fibras de amianto e machucou o tornozelo. Cassaniga ainda amarrou a corda no telhado do Joelma na qual o capitão Caldas atravessou, pelo cabo aéreo.

"A idéia era retirar as pessoas pela corda usando uma polia e uma cadeira de lona. Mas elas estavam tão queimadas que gritavam de dor." 

Nesse tempo, um grande helicóptero da FAB pousou no heliporto da Câmara Municipal e transportou para o telhado uma equipe de seis oficiais e soldados. Foi nesse helicóptero, que pairava a poucos centímetros do telhado, que os feridos foram sendo transportados.

"Eram cenas de desespero", conta Caldas. "Um rapaz carregando uma jovem nos braços pedia que eu a colocasse no helicóptero, mas ela já estava morta. O rapaz me deu um soco no rosto. Outro tomou o walkie-talkie de minhas mãos e passou a gritar ordens aos bombeiros. Soube depois que sua namorada tinha morrido nos andares debaixo."

           Cmt Roberto Lemes da Silva

Neste incêndio, Lemes atuou no salvamento aéreo e esteve ao lado do Caldas na ponte aérea (ligação do Saint Patrick ao Joelma).

Uma das escadas Magirus montada em frente ao Joelma, estava nitidamente fora do nível, por isso cortou o compressor, e foram obrigados a subi-la de maneira manual e mecânica, era o sistema alternativo. Para complicar, uma vítima saltou, e na queda atingiu o meio da escada, que foi danificada e emperrou, impossibilitando assim a chegada a andares superiores.

Mesmo com todos esses problemas, Lemes destaca que os colegas estavam mais bem preparados no incêndio do Joelma, pois a experiência do Andraus os ajudou a superar alguns problemas.

Neste incêndio Lemes viu mais de 60 cadáveres no terraço, ficou com vontade de pular, nós fomos treinados para salvar, mas tudo que nos restava ali era recolher os mortos.

                  Cmt Eduardo Boanerges

Estava em serviço no Cambuci e como de costume iria iniciar mais uma aula de educação física, quando veio o aviso do incêndio, pegou os equipamentos entrou na viatura e em 15 minutos chegaram ao Joelma, foram a segunda guarnição a chegar no local e o prédio já estava quase todo em chamas. Se sentiu impotente até que pensaram em algumas soluções e improvisações.

As escadas Magirus só chegavam até o 14° andar, por isso os bombeiros usaram escadas de gancho e foram encaixando umas nas outras até conseguir chegar aos andares mais altos. Aos poucos os sobreviventes foram descendo por essas escadas.

O plano porém, tinha uma limitação: o calor e as chamas dificultavam uma aproximação aos andares mais altos. A segunda parte do plano consistia em subir no edifício vizinho ao Joelma, o San Patrick. Na cobertura amarraram uma corda que foi levada ao Joelma por meio de um helicóptero, aonde o Cel Caldas foi o primeiro a atravessar, com uma corda de sisal amarrada a cintura, e diversas cordas de nylon amarradas umas às outras o Cel fez a travessia.

O Cel Caldas teve uma ideia que não levou adiante: “Vamos explodir a caixa d'água e liberar toda essa água para os andares abaixo”.

Boanerges recorda que foram retirados 76 cadáveres daquele setor do prédio, muitos com queimaduras. Nos banheiros dos andares, várias pessoas foram encontradas mortas, amontoadas. "Infelizmente, naquela época, segurança do trabalho era um assunto desconhecido. Vi extintores podres e hidrantes que jamais iriam funcionar."

Uma cena marcou profundamente o oficial: a de um casal morto, de braços dados: Fiquei triste observando aquilo. Devem ter pensado em uma estratégia, e no instinto de preservação, decidiram ficar trancados. Desmaiaram para morrer.

As quedas das pessoas provocavam as piores sensações em Boanerges. Foi um trauma sempre complicado para ele. As pessoas saltavam próximas às escadas, e uma pessoa até chegou a atingir uma delas.

Quando a pessoa bate no chão, o barulho do eco nunca mais saiu da sua cabeça. As pessoas estavam totalmente dominadas pelo pânico. Quando cheguei ao Joelma, duas delas caíram muito próximas a mim. Isso dói muito, relata emocionado o oficial.

Boanerges se incomodava com erros na operação de salvamento e atendimento médico. Para ele, a desorganização registrou cenas bizarras, como pessoas com queimaduras graves recebendo cremes e pomadas. "Era uma completa ignorância, um absurdo. Tinha gente sendo sufocada com leite, como se curasse a intoxicação".

A guarnição de Boanerges saiu do Joelma na manhã do dia 2. Cansado, e com a roupa suja, ainda atendeu uma moça com uma criança, que havia colocado dois caroços de feijão no nariz. Após levá-los a um hospital, finalmente o bombeiro retornou para sua casa.

"Não fui um herói. Herói é quem ficou lá em cima, suportando o calor, as chamas e as queimaduras, sobrevivendo todo esse tempo, afirma humildemente.

             OPERAÇÃO DE SALVAMENTO 

As operações de controle do fogo e salvamento contaram com a participação de 250 bombeiros, que utilizaram 39 carros; 11 carros-bomba; 7 de salvamento; 4 jamantas; 6 auto tanques; 8 operacionais e 3 com escadas magirus. Além dos 250 homens da capital, os bombeiros tiveram reforços do destacamento de Santo André. As operações foram dirigidas pelo Coronel PM Jonas Flores Ribeiro Júnior, Comandante do Corpo de Bombeiros, o mesmo que dirigiu as ações no incêndio do Andraus.

As Prefeituras de São Paulo, Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano mandaram carros pipa para o combate ao fogo. À tarde, aproximadamente 1.500 policiais estavam mobilizados, enquanto cerca de 50 médicos, 40 enfermeiros e centenas de estudantes, de plantão no PS do Hospital das Clínicas atendiam os feridos, sob a orientação do médico Valdomiro de Paiva. Diretor do Pronto-Socorro das Clínicas.

Relação dos 25 Militares que foram socorridos ao Hospital da Polícia Militar:

- Cleber Danúbio Alencar (1° tenente);
- Edson Pereira (aluno oficial);
- Antônio Frederico Stark (2° tenente),
- Trajano Conrado Carneiro Neto (2° tenente);
- Rubens Schalch (2° tenente);
- Walfrido José Pereira (Subtenente);
- Milton Ferreira da Silva (2° sargento);
- Augusto Rosani (2° Sargento);
- Rodolfo Costa Melo Filho (2° Sargento);
- Augusto Carlos Cassaniga (2° Sargento)
- Antônio Luiz Soares Filho (cabo);
- Antônio de Paula Dias (cabo);
- Carlos Alberto Bernardos (cabo);
- Gilberto Antonio Peixinho (cabo);
- João Simão de Souza (soldado);
- Moacir Portes Vieira Filho (soldado);
- Osvaldo Novaes Santos (soldado);
- Francisco Oliveira Lima (soldado);
- Mauro Romena Arroyo (soldado);
- Rubens Alberto Planeri (soldado);
- Acsionites Fucile (soldado);
-Antônio Casemiro das Dores Filho (soldado);
- Américo Paladrim Neto (soldado);
- Antônio Conceição de Lima (soldado);
- Waldemar Pancieri (soldado).

ERROS QUE LEVARAM A CAUSA DESTA GRANDE TRAGÉDIA

  1. o desenho do andar aberto; os andares não tinham vedação nem isolamento uns dos outros, permitindo que as chamas se alastrassem através do teto;

  2. a existência de um núcleo central contendo todas as instalações: elétricas, elevadores e ar condicionado; 

  3. o sistema de ar condicionado continuou, apesar do fogo, a fornecer ar, ao invés de ter seus circuitos invertidos;

  4. escadas intransitáveis durante o incêndio, porque não havia pressurização. Elas funcionavam, além disso, como condutoras de ar.

Outro erro a ser considerado, embora não possa ser enquadrado como erro estrutural: a existência de grande quantidade de material combustível. Todos estes fatores fizeram com que o Incêndio do Joelma, principalmente, tomasse proporções além da capacidade de qualquer Corpo de Bombeiros do mundo.

O Instituto de Polícia Técnica de São Paulo divulgou, o laudo pericial apontando as principais falhas que causaram a morte de 187 pessoas no Incêndio Joelma, onde se destacou a sobrecarga elétrica, a má qualidade dos fios dos aparelhos de ar condicionado no 12° andar, os fusíveis de capacidade inadequada e a constatação de que o registro dos hidrantes estavam fechados, muito embora o reservatório possuísse cerca de 40 mil litros d'água.

Localização:

Situado na Avenida 9 de Julho, número 225, região central da cidade de São Paulo no Estado de São Paulo.

Número de andares:

Vinte e cinco.

Ocupação:

Subsolo e térreo destinados à guarda de registros de documentos dos escritórios; do 1º andar ao 10º para estacionamento aberto e do 11º ao 25º, ocupados por escritórios.

Tipo de construção:

Estrutura de concreto armado com vedações externas de tijolos ocos cobertos por reboco e revestidos por ladrilhos cerâmicos na parte externa. As aberturas para janelas eram de vidro plano em esquadrias de alumínio. O telhado era de telhas de cimento amianto sobre estrutura de madeira. Nos escritórios, a compartimentação interna era feita por divisórias de madeira e o forro era constituído por placas de fibra combustível fixadas em ripas de madeira e a laje-piso era forrada por carpete.

Quantidade de Vítimas:

187 mortes e 300 feridos.

Número de ocupantes:

Estavam no local, por volta de 756 pessoas.

Observações quanto ao sistema contra incêndios existente:

Havia somente uma escada comum (não de segurança, que tem paredes resistentes ao fogo e ventilação para evitar gases tóxicos). Não havia sistema de alarme manual ou automático de forma que fosse rapidamente detectado, dado o alarme e desencadeadas as providências de abandono da população, acionamento de brigada interna, acionamento do Corpo de Bombeiros e outras mais. Não havia qualquer sinalização para abandono e controle de pânico. Apesar da estrutura do prédio ser incombustível, todo o material de compartimentação e acabamento não eram e não havia qualquer controle de carga-incêndio, por isso rapidamente o incêndio se propagou e fugiu do controle.

Observação quanto às técnicas de salvamento em altura:

Durante o resgate, no corpo do edifício, foram utilizadas viaturas aéreas (Auto Escada Mecânica e Auto Plataforma Aérea) e escadas mecânicas portáteis. Na parte superior do edifício, helicópteros ajudaram no socorro. Naquela época não havia as técnicas verticais existentes hoje, nem cordas específicas, bem como materiais modernos, por exemplo, cadeiras, fitas, oito com “orelha” para rapel de salvamento, etc. Era utilizado o cabo de sisal, entretanto, nesta ocorrência não foi utilizado por sua inviabilidade. É importante salientar o fato de que dos dois incêndios, Joelma e Andraus (analisado por outra equipe) nasceram as Leis de proteção contra incêndios no Corpo de Bombeiros do Estado de São Paulo, pois naquela época não existiam os sistemas ativos e passivos de proteção contra incêndio.

CONCLUSÃO

Finalizando este trabalho, elencam-se as principais considerações feitas à respeito das técnicas de salvamento em altura utilizadas na ocorrência do incêndio no Edifício Joelma.

Considerando-se as tecnologias, a disponibilidade de recursos materiais e humanos, as técnicas de salvamento da época, a alta carga de fogo dos materiais estruturais e pessoais do Joelma, a precariedade dos sistemas de proteção contra incêndio e a proporção do incêndio pode-se dizer que Corpo de Bombeiros teve uma boa atuação na ocorrência pesquisada, das 756 pessoas que estavam no local na hora do incêndio, aproximadamente, 24% morreram, 40% ficaram feridas e 36% saíram ilesas. Das 24% de pessoas que morreram, 40 se jogaram do alto do edifício. Naquela época, era utilizado o cabo sisal para resgates verticais, todavia devido às características do sinistro e da edificação, sua utilização tornou-se inviável.

O fato dos banheiros encontrarem-se lateralizados e verticalizados um embaixo do outro, fez com que algumas vítimas corressem para tal área, que ficou considerada como área fria e permitiu a evacuação pelas janelas, descendo pelas escadas mecânicas.

Vale recapitular que a dimensão da ocorrência e das vítimas fatais provocou uma recapitulação e reformulação nas técnicas de combate ao incêndio e nas técnicas de resgates verticais no Corpo de Bombeiros Militar do Estado de São Paulo.

                      CÓDIGO DE OBRAS

O Código de Obras na época ainda era o de 1934 de Arthur Saboya.

A primeira regulamentação sobre segurança contra incêndio surgiu no Brasil em meados de 1975, após a ocorrência dos incêndios dos edifícios Joelma e Andraus, em São Paulo.

O desastre no Edifício Joelma, em 1974, levou a uma mudança completa nos padrões de segurança predial e prevenção de incêndios. Uma semana depois da tragédia, um decreto da Prefeitura de São Paulo fixou normas sobre o tema. E, naquele mesmo ano, foram retomados os debates para revisar o Código de Obras de São Paulo, de 1934, que nunca havia passado por uma revisão, que atualizasse a lei para a nova estrutura urbana.

"Hoje um incêndio como aqueles não ocorreria. Os prédios têm portas corta-fogo, alarmes de incêndio, corrimão, luzes de emergência, portas antipânico, extintores, hidrantes, rotas de fuga e planos de evacuação. A catástrofe do Joelma serviu, ao menos, para que essas coisas fossem revistas",

"Depois do Joelma, além de hidrantes e extintores, os prédios foram obrigados a fazer escadas de segurança, instalar alarme, iluminação de emergência e brigadas de incêndio".

A legislação de 74 não previa multas nem interdições para quem não executasse as obras. "Foi difícil implantar as mudanças nos prédios já construídos". A aplicação de multas só veio depois do incêndio do edifício Grande Avenida, na avenida Paulista, em 81, que matou 17 pessoas. A lei foi promulgada no mesmo ano.

PAPA DIRIGE MENSAGEM AO POVO DE SP

A mensagem enviada pelo Cardeal Jean Willot em nome do Papa Paulo VI afirmava:

"Inteirei-me com profundo pesar pelo luto que aflige São Paulo e que consternou o Brasil. O Sumo Pontífice abençoa as almas dos mortos no trágico incêndio e pede a Deus que dê alívio aos feridos. O Santo Padre deseja expressar sua solidariedade aos que sofrem e invoca o amor de Cristo para que suas existências recebam a graça divina como a aliciadora benção apostólica. 

FONTES: Jornal A TRIBUNA (02/02/1974); Jornal Correio Braziliense (05/02/1974); Jornal O Estado de São Paulo; Revista O Cruzeiro; Revista Manchete;

Pesquisador: 3° Sgt Ref PM Eduardo Marques de Magalhães

e-mail:  edmax2623@gmail.com


Matéria foi fruto de pesquisa a vários jornais e revistas da época; conversas com bombeiros que atenderam esta ocorrência; livros publicados; vídeos do incêndio e vídeos de entrevistas feitas com quem participou deste incêndio.

Tentei com isso montar esse quebra cabeça de como foi aquele incêndio e como foi o trabalho executado por estes bravos guerreiros.


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