"𝗦𝗮𝗹𝘃𝗮 𝗩𝗶𝗱𝗮𝘀 - 𝗖í𝗰𝗲𝗿𝗼 𝗥𝗮𝗺𝗼𝘀"

 "𝗦𝗮𝗹𝘃𝗮 𝗩𝗶𝗱𝗮𝘀 - 𝗖í𝗰𝗲𝗿𝗼 𝗥𝗮𝗺𝗼𝘀"


Depois de ver a morte de perto muitas vezes e de salvar cerca de 300 pessoas, das quais mais de cem crianças, o ultimo remanescente da primeira turma de salva-vidas de nossas praias iria aposentar-se. Eram 11 e apenas o soldado do Corpo de Bombeiros Cicero Ramos ainda estava no serviço ativo.
Era um homem de 46 anos de idade e 25 de caserna: 21 na Força Publica e 4 no Exército, que serviu em Fernando de Noronha como sentinela avançada, durante a 2° Guerra Mundial. Mas Cicero lembrava "e parece que foi ontem, dizia ele", quando com seus colegas vieram para cá como integrantes da equipe de salva-vidas.
Foi em 1947 e até aquele ano quem tomava conta do serviço de salvamento era o município. Existiam 5 postos, que tinham como equipamento, além da nossa coragem, apenas um sandolin. Era uma pequena embarcação que parecia duas canoas juntas e cobertas, tendo em cima um banco e os remos. Era um daqueles que se alugavam na baía de São Vicente, perto da Ilha Porchats.
𝗠𝗮𝗶𝗼𝗿 𝗦𝗼𝗳𝗿𝗶𝗺𝗲𝗻𝘁𝗼
Naquele tempo, conta Cicero, nosso trabalho era maior e havia mais afogamentos. Os paulistas só conheciam as praias de Santos. Um dos primeiros serviços que tive, foi logo que cheguei. Era um domingo e a maré estava muito cheia: as ondas batiam no meio-fio do calçamento.
Chegou o aviso de um afogamento próximo à Pedra Feiticeira, na divisa de José Menino com São Vicente. Eu e o De Vita, também salva-vida, fomos lá. O mar não permitia o uso de embarcação. Tivemos que ir nadando. Não foi dificil chegar até o homem, mas para sair da agua foi fogo: enquanto nadavamos 5 metros para a terra, o mar nos puxava 8. Lutamos quase uma hora. Por fim, o salvamos. Acho que esse caso foi o maior sofrimento da minha vida. Pensei que não fosse escapar.
Cicero dizia que quando se atirava ao mar para mais um salvamento nunca pensava em nada, só na nossa missão. Gostava muito de sua profissão e, mais que ele, uma loirinha bonita de olhos azuis que conheceu na praia. Acabara de salvar uma pessoa e a loirinha interessou-se pelo serviço de salva-vidas. Conversaram muito tempo. Três anos depois, ela tornou-se a sra Margarida Ramos, sua esposa e mãe de seu unico filho. Moram em Vicente de Carvalho, no Paicará, mas, logo que se aposentar, Cicero quer levá-la para o Rio Grande do Norte, onde nasceu.
𝗣𝗿𝗶𝗺𝗲𝗶𝗿𝗼 𝗦𝗮𝗹𝘃𝗮𝗺𝗲𝗻𝘁𝗼
Cicero nasceu e criou-se às margens do rio Potegi, no Rio Grande do Norte. "Na epoca das enchentes, esse rio transborda e fica parecendo um mar. Era quando a garotada das redondezas aprendia a nadar".
Numa dessas enchentes, um menino de 13 anos foi atravessar o rio, montado num cavalo. A correnteza jogou-o da sela, Outro menino, de 15 anos, atirou-se às águas e foi salvá-lo. Era Cicero que fazia seu primeiro salvamento. Dez anos mais tarde, estava em São Paulo, na piscina do estádio do Pacaembu, fazendo exames de mergulho, natação e primeiros socorros a uma pessoa que foi salva do mar.
"𝗢𝗯𝗿𝗶𝗴𝗮𝗱𝗼", 𝗻𝗲𝗺 𝘀𝗲𝗺𝗽𝗿𝗲..
"A maior satisfação que tem um salva-vidas é ter o reconhecimento do povo pelo serviço que presta", falava Cicero. "Quase sempre o reconhecimento das pessoas salvas nunca passava de um "muito obrigado". Mesmo assim, eram poucos os que voltavam ao Posto de Salvamento para agradecer ao bombeiro que lhes salvou a vida".
"A maioria simplesmente vai embora. Na hora dos primeiros socorros é aquela choradeira, o desespero, os gritos. Depois, vão para o hospital e nunca mais aparecem. Nós já nos acostumamos e estamos aquí para cumprir nossa missão. É para isso que somos pagos pelo Estado".
Falava também que "um salva-vidas, quando entra no mar para mais uma missão, esquece até a familia", Só pensa no salvamento e em não ser envolvido pelos braços da pessoa que está se afogando. Esse é o maior perigo que enfrentam porque o afogado tenta se agarrar a tudo que aparece pela frente e, se consegue, não solta mais".
Antigamente, para evitar isso, quando um salva-vidas se aproximava do afogado, dava-lhe uma pancada no pescoço e o deixava atordoado. Assim não havia perigo de sermos agarrado se podiamos fazer o salvamento facilmente, porque a pessoa ficava "largada". Hoje, o metodo é outro".
Mergulha-se por baixo da vítima, a um metro e meio dela e seguramo-la por trás. Depois, aplicamos uma gravatas e colocamos o afogado sobre uma bóia. Além disso, temos o pé-de-pato, que nos dá maior agilidade dentro da água. Logo que chegamos na areia, tratamos de aplicar respiração artificial. Se caso é grave, acenamos para um colega que fica no posto e logo chega uma ambulância, trazendo medico e enfermeiro. Mas com tudo isso, Cicero confessava que esse serviço era bom para trabalhar uns 8 anos. Depois, vamos ficando com receio, mais temerosos aos perigos que enfrentamos diariamente, por que não temos mais aqueles arrojos da mocidade.
𝗦𝗲𝗿𝘃𝗶ç𝗼 𝗱𝗲 𝗦𝗮𝗹𝘃𝗮𝗺𝗲𝗻𝘁𝗼
O Serviço de Salvamento do Corpo de Bombeiros, em 1968 era uma companhia inteira, da qual faziam parte 138 homens. No ano passado atenderam 1.001 ocorrências e salvaram 222 pessoas. Em 1968, até maio, já foram solicitados 1.021 vezes e salvaram 125 pessoas. A estatística previa para 1968 um aumento de 300% nos índices de ocorrências.
Alem das praias santistas, o Serviço de Salvamento tinha a seu encargo todo o litoral do Estado. Em 16 postos de Santos, São Vicente e Guarujá existia pessoal fixo. Na epoca, Mongaguá, Itanhaem e Peruibe providenciavam convênio com Estado para a instalação de postos de salvamentos.
Todo o pessoal dessa companhia, a 2.a do Corpo de Bombeiros, teve curso especifico de treinamento para saber lidar com o equipamento de que dispunham: desde aparelhos de mergulho e embarcações até fuzis de lança-retinada, cujo projetil é um gancho que serve para alcançar embarcações que estejam em lugares de difícil acesso.
𝗣𝗿𝗲𝗽𝗮𝗿𝗼 𝗱𝗼 𝗦𝗮𝗹𝘃𝗮-𝗩𝗶𝗱𝗮𝘀
Antes de ingressar no serviço de salvamento, o candidato precisa ter servido numa unidade de infantaria da Força Pública e numa companhia do Corpo de Bombeiros. Depois, era submetido a exames de conhecimentos profissionais, prática de salvamentos náuticos, técnica de funcionamento de material e conhecimento dos fenomenos marítimos.
O salva-vidas precisava ter resistência fisica e capacidade de improvisação além de ser bom nadador. No momento, 18 bombeiros estavam cursando a Escola de Salva-Vidas e brevemente seriam submetidos a exames. Depois estariam aptos para o serviço de salvamento nas praias, cujo numero de ocorrências sempre era maior durante as temporadas, principalmente a de dezembro a março. Mas os casos mais difíceis apareciam de maio a agosto, porque o mar ficava revolto e oferecia maior perigo aos banhistas.
Desde que foi criado o Serviço de Salvamento, apenas dois salva-vidas morreram no trabalho até o ano de 1968. Foi há 8 anos atrás, na ilha Urubuqueçaba: um casal de banhistas estava se afogando e os dois foram salvá-los. Era o primeiro salvamento que faziam. Conseguiram salvar o casal, mas foram arrastados pelas ondas e lançados contra as pedras.
"𝗢𝗻𝘁𝗲𝗺 𝗛𝗼𝗷𝗲 𝗲 𝗦𝗲𝗺𝗽𝗿𝗲"

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